O
texto narrativo “Coração híbrido” foi desenvolvido a partir de
dois elementos previamente estipulados: as ações deveriam
transcorrer durante o Natal e a temática deveria ser amizade.
Coração
Híbrido
Peterson da Silva Fontoura
União
soviética, 24 de dezembro de 1942, cidade de Stalingrad, ao sul de
Moscow. O Major Maick Mordok, trinta e oito anos, ajustava seu
paraquedas e cintos, a bordo de sua aeronave de caça P-51 MUSTANG,
enquanto dividia seus pensamentos entre o planejamento da missão e a
recordação de seus dias na Academia da Real Força Aérea Britânica
à procura de explicações que o trouxeram até aquela guerra sem
escrúpulos em que aeronaves decolavam e, por muitas vezes, não
retornavam.
Major
Mordok, com suas dez mil horas de voo, sendo, destas, mil e
quinhentas em combate, decola para mais uma missão de patrulhamento
aéreo remoto com seu ala Tenente Richard Maingol, um jovem e
promissor piloto de vinte e quatro anos cuja única opção foi a
guerra.
Conforme
planejado, seu voo a oito mil pés lhes trazia uma visão
privilegiada de todo o terreno; algumas nuvens cirros a dez mil pés
encobriam parcialmente o sol. O silêncio no rádio, o marcador de
combustível acusando tanques plenos e o ronco contínuo do motor V8
com 12 cilindros davam a sensação de segurança e tranquilidade,
momento raro na rotina do Major, para o qual temporariamente a guerra
parecia não existir; relembrava os voos que realizava com seu pai a
bordo de aviões agrícolas no interior da Inglaterra.
Num
piscar de olhos, o silêncio é quebrado com inesperada rajada de
ponto cinquenta (.50) de uma esquadrilha de aeronaves germânicas num
mergulho descendente surgindo das traiçoeiras nuvens cirros. Tenente
Maingol gritava ao rádio enquanto suas aeronaves eram rasgadas pelas
traçantes, forçando Mordock e Maingol a ejetar sobre aquela área
de conflito.
Sem
ainda acreditar no ocorrido, Mordock aterra em um lavoura de arroz,
sem qualquer contato visual de seu ala. O frio não o fazia tremer
mais do que a sensação de medo e incerteza causada pelas patrulhas
alemãs caçando os sobreviventes das duas aeronaves abatidas. Suas
orações ininterruptas não o pouparam do triste destino; sua
consciência retirada com um golpe de coronha no pescoço parecia
trazer o fim de um dos mais eficientes pilotos de caça da história.
As dez mil horas de voo e sua extensa experiência não lhe traziam
qualquer vantagem.
A
água gelada de uma caneca jogada em sua face traz para Mordock não
só a consciência mas também a imagem de uma sala de interrogatório
improvisada em um porão, com uma lâmpada incandescente fixada no
teto, uma mesa de madeira a sua frente, seus braços amarrados ao
descanso da cadeira. Quando seus olhos tentaram focalizar um homem
bem fardado e com o peito cheio de medalhas no fundo da fria e úmida
sala, lá veio outra coronhada.
Os
raios de sol de um novo dia acordam Mordock, que se encontra
abandonado no último vagão de um trem de carga com destino a Moscow
e com uma carta no bolso esquerdo de seu macacão. Sem entender
aquilo tudo e tomado pela curiosidade, com a sua mão direita ele
abre a carta, que dizia:
“Bom-dia,
Major Mordock! Que ironia do destino!
Após
quatro anos na Academia da Real Força Aérea Britânica, o meu
sangue de pais alemães e minha criação no interior da Inglaterra
me fizeram trocar de lado no conflito, mas não me esquecer do aluno
Mordock, o melhor dos alunos e companheiro inseparável de
alojamento.
Um
feliz Natal, caro amigo! Observação: Não deixe de desamarrar o
Tenente Maingol no vagão da frente!”
25/12/1942
Cel Adolf Schereder