Uma das maiores dificuldades de quem se depara com a tarefa de elaborar um texto narrativo é criar a tal da expectativa, não é mesmo? Você pensa em todos os detalhes ― foco narrativo, informações relevantes sobre o tempo e o espaço, caracterização das personagens, suas falas e ações ―, procura estruturá-los de modo que façam sentido para o leitor, esforça-se ao máximo para que sua história seja original e interessante; até com o conflito você se preocupa. Pronto! Não há dúvidas: uma narração acabou de ser criada. Mas, para sua surpresa e total decepção, o resultado almejado ainda não foi atingido.
― Na verdade, você fez um relato ― sentencia o mestre.
― Como?! Eu tinha certeza de que o meu texto estava bom, adequado ao tema e ao tipo de texto. Até na linguagem eu caprichei! Onde foi que eu errei, professor? Como posso fazer essa expectativa?
Nesse momento, o professor, tão angustiado quanto você, não tem uma resposta exata, uma fórmula que, afinal de contas, solucione esse problema, ou esclareça suas dúvidas de maneira pontual como gostaria. As explicações, como “Os fatos aconteceram muito abruptamente”, “Observe se há mudança do estado psicológico do protagonista”, “Forneça pistas, indícios, ao longo do texto, que apontem para uma revelação importante”, “Não antecipe o clímax, relatando-o apenas”, “Faça uma caracterização apropriada do espaço e das personagens, atentando para a elaboração da linguagem”, soam até compreensíveis, mas ainda não mostram onde, o que e como fazer.
Nessa hora, então, professor e alunos chegam à conclusão de que não há outro jeito senão ir ao texto, debruçar-se sobre ele, buscar nele próprio a resposta para suas dúvidas. Afinal, só se aprende a escrever, escrevendo!
Foi pensando nisso que resolvemos fazer esta postagem, que, na verdade, é fruto de uma aula sobre narração. Dadas as devidas orientações sobre a produção de um texto narrativo, para a qual foi permitido inclusive que se fizesse paráfrase de uma música à escolha dos alunos, estes deveriam criar uma narração em sala de aula. O texto a seguir, que se trata de uma paráfrase da música "Olhos de luar", da dupla Chrystian & Ralf, elaborado por uma aluna a partir da proposta de narração apresentada abaixo, contém todos os aspectos esperados para uma boa narração: adequação ao que determina o tema; informações relevantes para o desenrolar da trama; momentos tensos, dramáticos, que garantem a existência do conflito; encadeamento harmonioso das ações, exceto pela ausência da expectativa.
E justamente em razão desse último item, a pedido da própria autora do texto analisado, algumas poucas porém significativas modificações foram feitas a fim de que se obtivesse o resultado desejado, o qual se refere à expectativa vivenciada pela(s) personagem(ns) e/ou pelo leitor.
Ressalte-se aqui que, em razão de se tratar de uma atividade sem fins avaliativos, a paráfrase é perfeitamente válida como recurso didático cujo objetivo é motivar o aluno a produzir um texto complexo como o narrativo. Já em situação de prova, a menos que o tema assim o autorize, a utilização da paráfrase deve ser evitada sob pena de o texto ser considerado plágio.
Ressalte-se aqui que, em razão de se tratar de uma atividade sem fins avaliativos, a paráfrase é perfeitamente válida como recurso didático cujo objetivo é motivar o aluno a produzir um texto complexo como o narrativo. Já em situação de prova, a menos que o tema assim o autorize, a utilização da paráfrase deve ser evitada sob pena de o texto ser considerado plágio.
Primeiramente, transcreveu-se a redação original. Em seguida, ela foi reproduzida com as modificações sugeridas, destacadas em azul para melhor visualização.
Passemos, então, à leitura dos textos.
Proposta de narração
Construa uma narração cujos elementos devem ser extraídos da tela abaixo. A cena retratada deverá aparecer em algum momento da história, cujo foco narrativo deverá ser em 3ª pessoa. Não se esqueça de criar um título.
Arrufos, Belmiro de Almeida
leitordepoesia.blogspot.com
AMOR PROIBIDO
Al. Jamila Luiz Dufech - nº 11/2829 - BCT
1ª série - Turma Fox
Há um tempo, não se via amor igual a este. Bela era o nome da filha de um senhor de engenho que estava perdidamente apaixonada por um de seus escravos. O escravo Juvêncio correspondia a essa paixão. Eles se encontravam às escondidas, pois seu pai, Coronel Firmino, jamais poderia saber de tal envolvimento. Numa noite clara, de lua cheia, encontraram-se no lugar de sempre, perto de um poço de água, no meio do matagal.
Ali houve uma explosão de sentimento; trocaram carinhos e juras de amor. Deitaram-se em meio às flores do campo e se amaram perdidamente como se fosse a última vez. De repente ouviram barulhos de passos se aproximando. Rapidamente Bela se cobriu com seu vestido e se deparou com a imagem do seu pai. Juvêncio se levantou rapidamente para proteger Bela do que pudesse acontecer. E aconteceu um tiro, que assustou os animais que na mata se escondiam, enchendo de tristeza e rancor o coração da moça apaixonada. Seu pai havia matado seu grande amor.
Chorando ainda, foi arrastada até o casarão por dois capatazes, deixando o corpo de Juvêncio para trás. Ao chegar a casa, foi levada até o quarto e jogada no chão. Coronel Firmino se sentou ao lado da cama da filha, acendeu um charuto e disse:
— Jamais te encontrarás com este escravo, jamais o verás novamente. Cortei o mal pela raiz.
Bela então levantou seu rosto, limpou as lágrimas e disse:
— Meu pai, para cortar esse mal, o senhor terá que me matar e matar esse filho que carrego em meu ventre.
Rapidamente a expressão do Coronel mudou. Um misto de raiva e arrependimento o tomou. Sem saber ao certo o que fazer, saiu e a deixou ali.
Algum tempo se passou, e o coração daquele homem foi deixando a amargura de lado. E quando seu neto nasceu, voltou a falar com sua filha e aceitou aquela criança como se ela tivesse somente seu sangue. Sangue azul em um corpo mulato.
AMOR PROIBIDO
Há um tempo, não se via amor igual a este. Bela era o nome da filha de um senhor de engenho que estava perdidamente apaixonada por um de seus escravos. O escravo Juvêncio correspondia a essa paixão. Eles se encontravam às escondidas, pois seu pai, Coronel Firmino, jamais poderia saber de tal envolvimento. Numa noite clara, de lua cheia, encontraram-se no lugar de sempre, perto de um poço de água, no meio do matagal.
Ali houve uma explosão de sentimento; trocaram carinhos e juras de amor. Deitaram-se em meio às flores do campo e se amaram perdidamente como se fosse a última vez. De repente ouviram barulhos de passos se aproximando. Rapidamente Bela se cobriu com seu vestido e se deparou com a imagem do seu pai. Juvêncio se levantou rapidamente para proteger Bela do que pudesse acontecer. E aconteceu um tiro, que assustou os animais que na mata se escondiam, enchendo de tristeza e rancor o coração da moça apaixonada. Seu pai havia matado seu grande amor.
Chorando ainda, foi arrastada até o casarão por dois capatazes, deixando o corpo de Juvêncio para trás. Ao chegar a casa, foi levada até o quarto e jogada no chão. Coronel Firmino se sentou ao lado da cama da filha, acendeu um charuto e disse:
— Jamais te encontrarás com este escravo, jamais o verás novamente. Ainda bem que descobri esse romance logo no início. Cortei o mal pela raiz.
Bela então levantou seu rosto, limpou as lágrimas e, num tom quase que ameaçador, disse:
— Se eu fosse o senhor, não teria tanta certeza assim.
— O que queres dizer com isso? Como ousas me desafiar? Além de perderes a decência, perdeste também o juízo? Mais uma palavra, e...
Nesse momento, estando o Coronel prestes a dar-lhe uma bofetada na face, um segundo tiro foi desferido.
— Meu pai, para cortar esse mal, o senhor terá que me matar e matar esse filho que carrego em meu ventre.
O tiro há pouco desferido contra Juvêncio havia saído pela culatra. Essas palavras atingiram o peito do Coronel como balas de arma de fogo. Um amor verdadeiro, ainda que proibido, cria raízes tão profundas que produz frutos pelo resto da vida.
Como se pode verificar, nenhum elemento estrutural do texto original foi modificado. O que lhe faltou foi justamente um trabalho maior com a linguagem que de fato produzisse o efeito da expectativa. Ao lermos o primeiro texto, facilmente percebemos que a grande revelação está na fala de Bela, reproduzida em forma de discurso direto, a comunicar ao pai, Coronel Firmino, o fato de que estava grávida de Juvêncio, o escravo assassinado por ele: “— Meu pai, para cortar esse mal, o senhor terá que me matar e matar esse filho que carrego em meu ventre.”
Mas, da maneira como essa fala foi colocada no texto, assim, de chofre, sem qualquer suspense prévio que instigasse o leitor a se perguntar “O que acontecerá agora?”, que seria o clímax ― ou seja, o momento pelo qual o leitor vem aguardando e que justifica a leitura do texto ―, o leitor é simplesmente informado do fato. Ele sequer tem a oportunidade de fazer suposições, tecer possibilidades. Nenhum desafio, por menor e mais simples que seja, lhe é proposto para que ele se envolva na história; tudo lhe é informado objetivamente.
Já no texto modificado, a reação inesperada de Bela, que originou um diálogo tenso entre ela e o pai, e a inserção de um fato desnorteador (“um segundo tiro desferido”, que, logo em seguida, se explica) como que despertam a curiosidade do leitor e o convidam a vivenciar juntamente com as personagens esse momento de tensão que antecipa o clímax.
Já no texto modificado, a reação inesperada de Bela, que originou um diálogo tenso entre ela e o pai, e a inserção de um fato desnorteador (“um segundo tiro desferido”, que, logo em seguida, se explica) como que despertam a curiosidade do leitor e o convidam a vivenciar juntamente com as personagens esse momento de tensão que antecipa o clímax.
Esses elementos, aliados a um jogo de palavras, com a expressão “segundo tiro”, metáfora para as palavras de Bela, e com as frases “Cortei o mal pela raiz” e “Um amor verdadeiro, ainda que proibido, cria raízes tão profundas que produz frutos pelo resto da vida”, em que “frutos”, por sua vez, é metáfora para “filhos”, também ajudam a prender a atenção do leitor.
Não se esqueça: as narrativas existem para informar e, acima de tudo, envolver, encantar, entreter. Como diz uma propaganda: “Quem lê, viaja”. Então, embarque nessa viagem que a leitura nos proporciona e dê asas a sua imaginação!
P.S.: Quanto às informações do desfecho? Se elas não fizeram falta, elas podem ser dispensadas.