A natureza do texto descritivo

Em uma de nossas aulas, foi proposto o seguinte tema descritivo:


Apesar das dificuldades que tenho de enfrentar para concluir minha formação de sargento, a paisagem da Escola (instituição militar de ensino técnico) é o refrigério da minha alma.

Como resultado da proposta, apresentamos o texto que se segue, de autoria do professor Marcelo Ferreira de Menezes:

Campo dos sonhos

Sempre fui cuidadoso nas minhas escolhas para o futuro. Sabia que, para que pudesse proporcionar conforto e bem-estar para a família que pretendo construir com minha noiva, a boa escolha da carreira a ser seguida seria determinante. Por isso, não tive dúvidas quando recebi aquele pequeno folheto me convidando a participar do processo seletivo para o curso de formação de sargentos de aeronáutica. Estudei muito, passei nos exames e aqui estou. Sou aluno da Escola (...). Apesar das duras provas que tenho de enfrentar todos os dias, a paisagem da escola é o refrigério da minha alma.
O caminho que leva ao portão de entrada da instituição técnica já é uma doce recepção da natureza aos futuros sargentos brasileiros. Uma estrada bem-pavimentada, cercada de plantas de vários tipos que se alternam com coqueiros e pequenas palmeiras, sentinelas de nossas aspirações. Uma belíssima escultura de um avião de caça, imponentemente montado sobre um pedestal, defende a guarita na qual se encontram os soldados. Como estamos num vale, ao redor e ao longe, destacam-se verdes encostas, elevando-se acima de todas as outras a Serra da Mantiqueira, essa gigantesca e antiga muralha natural. Ao longo de toda a alameda que conduz aos galpões, alojamentos e prédios que compõem a escola, enfileiram-se painéis de azulejo, nos quais reproduções de pinturas conhecidas, paisagens e cenas históricas remetem ao universo aeronáutico de nosso país.
A escola, por exibir gramados irretocáveis e árvores floridas por todas as partes, mais lembra um horto florestal. Há lagos onde marrecos desfilam preguiçosos e bois mansos vêm matar a sede; o maior e mais aprazível é coroado com a belíssima residência do Comandante da escola. A praça larga onde se realizam as formaturas exibe o prédio do Comando; todo branco e sisudo, ele é o símbolo máximo do respeito que inspira a vida militar. À esquerda e ao alto, podemos ver a vila dos oficiais, com suas caprichosas casas, de jardins frescos e bem-tratados, à sombra dos agradáveis eucaliptos que se lançam cada vez mais altos. O visitante pode ver, estando nessa vila, o telhado dos galpões, cada um de uma especialidade diferente, alinhados em perfeita harmonia com todo o restante da paisagem. Muito ampla, a escola, que já foi um centro de estudos agrícolas, exibe contornos de fazenda e, além disso, possui um bem-cuidado complexo esportivo, onde se realizam os jogos olímpicos dos alunos.
A formação de um sargento da Aeronáutica pressupõe desafios impossíveis de serem imaginados por quem está de fora do processo. Somos exigidos em cada instante e ao máximo de nossas forças. Mas ela nunca me faltará, pois, na própria escola, com sua paisagem paradisíaca, sempre encontrarei o refrigério necessário para mais um dia de desafios.


Comentários
Como se sabe, o primeiro parágrafo é chamado de introdução e tem uma dupla função: ao mesmo tempo em que ele deve conter o mínimo de informação relevante, essa informação deve ser apresentada de uma forma atraente para que o leitor se sinta interessado pela leitura do texto. É essa dupla função que permite ao produtor do texto uma liberdade maior ao redigir o primeiro parágrafo, como se pode observar em "Campo dos sonhos".
Para mencionar a escola em questão, conforme prescrevia o tema, o produtor do texto fez uma breve retrospectiva autobiográfica. No entanto, como o texto deve atender às exigências impostas pelo tema, que determinam que ele seja descritivo e que o objeto de descrição seja a paisagem dessa instituição de ensino, essas divagações devem se limitar ao primeiro parágrafo, do contrário pode-se correr o risco de o objetivo do tema não ser atingido.


                                           
Uma estrada bem-pavimentada, cercada de plantas de vários tipos que se alternam com coqueiros e pequenas  palmeiras, sentinelas de nossas aspirações.

Bom, agora é hora de passar para o segundo parágrafo, o qual, vale lembrar, não é mais a introdução. Viu? Não é tão difícil assim começar um texto, como em geral se pensa. Mas ainda temos um certo caminho a percorrer e, a essa altura, já é preciso desenvolver o tema, afinal, ao ler o texto, o leitor deve ser capaz de visualizar — mentalmente, é claro — a paisagem proposta, a saber, a própria escola.
Como ela é? A sua fachada? Onde ela se situa? Qual a paisagem que a circunda? Ela tem algo que a torna única, diferente das outras escolas? Quando a observo, que emoções ela desperta em mim? Se conseguirmos responder a essas perguntas, estaremos com certeza fazendo uma descrição da paisagem da Escola.

 
Uma belíssima escultura de um avião de caça, imponentemente montado sobre um pedestal, defende a guarita na qual se encontram os soldados.

           E é exatamente isso que o segundo parágrafo se propõe a fazer. Percorrendo o caminho que se estende desde a entrada da Escola, antes do portão da guarda, até a avenida dos murais, que se dirige às instalações internas, o texto conduz o leitor a um passeio pela paisagem, oferecendo-lhe uma visão panorâmica dessa cinquentenária instituição escolar. Os elementos selecionados para compor esse quadro foram os seguintes: "portão de entrada", "estrada bem-pavimentada", "coqueiros e pequenas palmeiras", "escultura de um avião de caça", "verdes encostas", "Serra da Mantiqueira", "galpões, alojamentos e prédios" e "painéis de azulejos".


 Ao longo de toda a alameda (...), enfileiram-se painéis de azulejo, nos quais reproduções de pinturas conhecidas, paisagens e cenas históricas remetem ao universo aeronáutico de nosso país.

             Agora imagine que o texto apresentasse tão somente esses elementos, sem qualquer qualificação ou apreciação que revelasse uma impressão pessoal por parte do observador. Para quem nunca esteve na Escola, não a conhece nem mesmo por foto, essa simples enumeração seria suficiente para que o leitor tivesse uma visão satisfatória da paisagem retratada? É claro que não. A enumeração de detalhes no máximo nos informa o que podemos encontrar na escola, mas não nos possibilita saber a sua disposição, onde cada elemento se situa, qual a distância entre eles, enfim, como eles se organizam no espaço físico e que impressões nos despertam.


 
A praça larga onde se realizam as formaturas exibe o prédio do Comando; todo branco e sisudo, ele é o símbolo máximo do respeito que inspira a vida militar.

          A descrição não é uma enumeração exaustiva de detalhes; pressupõe observação seletiva e linguagem rica e expressiva. Mas o que é, afinal, linguagem rica e expressiva? Você nota algo de diferente nas expressões "doce recepção da natureza", "sentinelas de nossas aspirações", "gigantesca e antiga muralha natural", encontradas no segundo parágrafo? Elas são exemplos dessa expressividade na linguagem, pois, como são frutos da subjetividade, já que revelam uma elaboração maior da linguagem chamada conotação, retratam um estado de espírito do observador diante do objeto observado ao mesmo tempo em que fornecem dados informativos do objeto.
          E você deve estar se perguntando: Já posso terminar o meu texto? Qual o tamanho ideal de um texto? É necessário mais informação além das que já foram fornecidas?
         Na verdade, existem textos dos mais variados tamanhos, com os mais variados objetivos. No nosso caso específico, estamos redigindo uma redação escolar, lembra-se? E como tal, o seu objetivo primeiro é ser um dispositivo pedagógico do qual o professor dispõe para diagnosticar o grau de aproveitamento e capacidade de expressão escrita do aluno.


Há lagos onde marrecos desfilam preguiçosos e bois mansos vêm matar a sede(...)


           Considerando isso, o avaliador espera que o aprendiz se empenhe o máximo possível para apresentar um resultado pelo menos satisfatório. Mas como saber o que é satisfatório para o professor? Em geral são tão exigentes...
          Calma! Não se apavore. Você já deve ter visto em sala de aula (e se ainda não, com certeza verá) o esquema básico de descrição, retirado do livro Técnicas básicas de redação, editora Scipione, 1996, da autora Branca Granatic, adotado, entre outros, como referência bibliográfica na apostila de Língua Portuguesa de nosso curso. Então, segundo esse esquema, um texto descritivo satisfatório deve conter quatro parágrafos, sendo o primeiro a introdução, os dois seguintes o desenvolvimento e o quarto a conclusão.
           Pronto! Agora você já sabe. É preciso redigir mais um parágrafo do desenvolvimento, o qual é, na verdade, o corpo do texto, pois é no desenvolvimento que se encontra a informação de fato relevante que será praticamente a responsável por classificá-lo como descritivo.

Foto: Professor Marcelo Menezes
(...) o maior e mais aprazível é coroado com a belíssima residência do Comandante da escola.

          Mas o que vou escrever agora? As minhas ideias se esgotaram e já não tenho mais o que escrever! Antes de tudo, respire fundo. Não deixe que o nervosismo tome conta de sua mente e embace suas ideias. No parágrafo anterior, você fez uma tomada dos elementos do plano de fundo, dando uma visão mais ampla da Escola. Mas existem outros detalhes que, numa tomada panorâmica, não são captados pelo observador. Agora, então, é hora de se ater a esses outros detalhes, mais próximos do olhar do observador. Vamos encontrá-los no terceiro parágrafo? São eles: "gramados irretocáveis e árvores floridas", "lagos", "marrecos", "bois", "residência do Comandante da escola", "praça larga", "prédio do Comando", "vila dos oficiais", "casas, de jardins frescos e bem-tratados", "eucaliptos", "galpões" e "complexos esportivos". Mas em que lugar se encontram exatamente esses elementos? Agora é a sua vez de ir ao texto e ler com mais atenção, reparando na elaboração da linguagem, na construção esmerada das frases e na seleção lapidar do vocabulário.

 A escola, por exibir gramados irretocáveis e árvores floridas por todas as partes, mais lembra um horto florestal.

           Puxa! Quanta coisa ainda havia para ser descrita! É verdade. E se você continuar a observar a sua escola, com certeza encontrará uma infinidade de outras coisas que sua percepção sensorial lhe permitirá captar. A nossa capacidade de expressão é infinita, mas, assim como é preciso começar o texto, é igualmente necessário saber encerrá-lo. Então, sem mais delongas, passemos para o quarto parágrafo, que é o da conclusão.
          E não é que finalmente chegamos ao fim? Nesse momento, o leitor, já tendo sido apresentado ao assunto e se inteirado dele, espera do produtor as suas palavras finais, que soam quase como uma despedida, nem tão longa que o deixe entediado e nem tão breve que o deixe sem rumo. No texto analisado, o observador se conscientiza do encerramento da sua empreitada e retoma as divagações iniciais, inspiradas pelo próprio tema, agora num tom de encerramento. Como não tem o encargo de fazer o retrato do objeto observado, pois isso já foi suficientemente explorado nos parágrafos do desenvolvimento, a conclusão como que se comunica com a introdução, conferindo ao texto uma coesão, necessária à unidade textual.
          E aí? Só para efeito de comparação, que tal fazermos uma leitura crítica do próximo texto, que também foi desenvolvido a partir do mesmo tema?

A vida de aluno

Sempre fui cuidadoso nas minhas escolhas para o futuro. Sabia que, para que pudesse proporcionar conforto e bem-estar para a família que pretendo construir com Janete, minha noiva, a boa escolha da carreira a ser seguida seria determinante. Por isso, não tive dúvidas quando recebi aquele pequeno folheto convidando a participar do processo seletivo para o curso de formação de sargentos de aeronáutica. Estudei muito, passei nos exames e aqui estou. Sou aluno de uma das mais respeitadas instituições de ensino técnico-militar do Brasil.
Todos os dias, levanto-me antes dos primeiros raios de sol. Mesmo com todo o frio que se sente a essa hora da manhã e com todo o sono, pulo da cama com o ímpeto de um guerreiro sedento de aventuras. "O dia será grandioso!", penso comigo. As notas dadas pelo corneteiro ainda não terminaram, mas minha cama já está pronta e, uniformizado, já me preparo para me dirigir ao rancho dos alunos, onde irei me abastecer com suculentas energias providas por um café da manhã bem-equilibrado. Ali, sucos, biscoitos, pães, leite e chocolate são servidos com presteza pela tropa que cuida atenciosamente de nossa alimentação. Incansáveis, a equipe procura atender a todos, de maneira que a satisfação seja a nota predominante. Uma vez satisfeitos, é hora de partir para a instrução.
Em forma, todos com botinas brilhantes e uniformes impecáveis, dirigimo-nos às salas de aula. Lá, temos um encontro marcado com o conhecimento, que os mestres procuram veicular com paciência e companheirismo. Matemática, física, química, português, inglês, todas matérias que, apesar de não serem mais novidades, já que é algo já visto ao longo de nossa formação acadêmica, ganham novos contornos pelas habilidades dos mestres. Com esforço e dedicação, cumprimos com mais essa missão. É, então, o momento de nos dirigirmos aos galpões.
Cada galpão foi construído para uma especialidade apropriada. Como pretendo ser mecânico de aeronaves, dirijo-me para o meu ninho, o galpão de BMA. Ali, motores e ferramentas estão expostos, revelando o teor de nosso trabalho. Cada engrenagem parece ganhar vida ao manuseio dos experientes instrutores. As ferramentas, algumas completamente desconhecidas por mim, ficam expostas sobre as bancadas ou descansam pacientemente nas estantes, prontas para se apresentarem no momento em que serão convocadas para o batente.
Logo após isso, almoçamos e seguimos para novas instruções. Mas não pense que nosso dia se acaba por aí. Não; há ainda a educação física, momento em que somos testados em nossa condição física. Contudo, há sempre espaço para uma boa partida de futebol ou vôlei. Por todas essas coisas é que eu posso dizer que a vida nessa escola é o verdadeiro refrigério de minha alma.


           Comentários
          Numa primeira leitura, percebemos que o primeiro parágrafo, o da introdução, é praticamente o mesmo em ambos os textos, no entanto, do segundo parágrafo em diante, o objetivo parece ser completamente diferente daquele do texto que acabamos de analisar.
          A começar pelo próprio título, "A vida de aluno", nota-se que o foco não está para a escola, segundo prevê o tema, e sim para a rotina vivida nela, sugerida pela palavra vida, núcleo da frase nominal.
          A propósito, embora não haja muita regra para se fazer título (como vários bons escritores não nos deixam mentir), em se tratando de uma descrição escolar, que, vale dizer, está sujeita a uma situação formal de avaliação, é aconselhável que o título enfoque o objeto propriamente dito da descrição, como em "Campo dos sonhos", em que o núcleo (o substantivo concreto "campo") refere-se diretamente à escola. Dessa forma, de antemão direciona-se o olhar do leitor para o objeto a ser retratado.
          De fato, a suposição inicial se confirma ao constatarmos que o produtor do texto se propõe a relatar suas ações corriqueiras de sua vida de aluno, facilmente recuperadas pelos verbos de ação como "levanto-me", "pulo", "me preparo para me dirigir", "irei me abastecer", "dirigimo-nos", "dirijo-me", "almoçamos", "seguimos", os quais, dispostos numa ordem cronológica, além de pontuarem a passagem do tempo, instauram entre si uma relação de anterioridade e de posterioridade, marca por excelência do texto narrativo.
          Embora inquestionavelmente bem escrito — pois as frases estão bem-estruturadas, o que garante a clareza das ideias e a fluência da linguagem, além de os parágrafos manterem uma relação harmônica entre si —, do ponto de vista da adequação à estrutura, "A vida de aluno" configura um típico exemplo de fuga ao tipo de texto. Ainda mais porque as ações comentadas acima se concentram justamente nos dois parágrafos do desenvolvimento, esgotando-se, portanto, qualquer possibilidade de descrição satisfatória.
         Mas e quanto ao "rancho dos alunos", às "salas de aula", aos "galpões", por acaso não são eles espaços físicos que nos dão informações de como é a escola? Sem dúvida que sim, mas, da maneira como foram tratados no texto, ocupam na verdade um segundo plano em relação ao objetivo principal do texto, que é enumerar as ações do relator.
          Se você ainda estiver em dúvida, faça a si mesmo o seguinte questionamento: Se você tivesse de pintar um quadro que retratasse a paisagem dessa instituição de ensino a partir das informações contidas no texto, qual dos dois textos lhe seria de fato necessário? A resposta só pode ser "Campo dos sonhos".
          No final das contas, descrever é quase como pintar; a diferença é que, no lugar do pincel, você usa a caneta e, no lugar das tintas e traços, as palavras.


         Bom, agora é com você. Se você é aluno(a) inscrito em nosso curso de redação, tente fazer um texto a partir do mesmo tema. Se não é, escolha uma paisagem e busque seguir os passos aqui apresentados.

         Bom treino!