Baseado no seguinte tema:
Aquela fotografia pendurada na parede ajudou a revelar um antigo segredo de família.
Elabore um texto narrativo no qual esse trecho seja inserido coerentemente.
Elabore um texto narrativo no qual esse trecho seja inserido coerentemente.
O retrato
Marcelo Ferreira de Menezes
Marcelo Ferreira de Menezes
Sou
o último de uma família de três filhos. Sou temporão, como se costuma
dizer nesses casos. Quando minha mãe me deu à luz, já passava dos
quarenta, e meus dois irmãos eram adolescentes. Até onde minha memória
alcança, não me lembro da companhia deles. Cresci sozinho pelos quintais
de minha casa. Não conheci meus avós, mas penso agora que isso talvez
não tenha sido mesmo necessário, já que meu pai, com seus cabelos e
barba brancos, com seu olhar duro e seu jeito cansado da vida, deveria
se parecer mesmo com um avô, desses de histórias infantis.
Mas
ele era austero; não tinha nada dessa docilidade corriqueira dos avôs.
Valorizava a moral, os bons costumes, conforme ele sempre dizia em seus
longos sermões às mesas de domingo, quando, muitas vezes, alterado pela
emoção, dava contundentes murros sobre a madeira, fazendo chacoalhar
copos, talheres e meu pequeno corpo. Esses murros sucediam uma série de
sentenças que sempre começavam por “Um homem deve ser...” e Pam! Um
murro. “Um homem deve ser...” e Pam! Outro murro. A esses almoços
concorriam metodicamente meu irmão e sua esposa, mas nunca minha irmã,
que somente aparecia uma vez por ano, justamente nas noites de Natal.
Então, minha mãe a recebia no portão. Abraçavam-se, choravam bastante,
trocavam beijos cheios de ternura. Meu pai se trancava em sua sala de
leituras, onde jamais me fora permitido entrar. Eu, proibido de ir lá
fora, assistia a tudo da janela de meu quarto. Como parecia ser bonita
minha irmã. Passado algum tempo, despediam-se; ela partia, de cabeça
baixa; minha mãe entrava lacrimosa.
Demorei
anos para entender o porquê da surra que levei certo dia. Como tinha
habilidade para consertar qualquer coisa, jurei a uma colega de escola
que consertaria sua boneca. Meu pai, revistando minha mochila no meu
quarto, encontrou o tal brinquedo. Um olho roxo, hematomas por todo o
corpo, três costelas quebradas e uma perfuração no pulmão esquerdo foi o
saldo da minha tentativa de impressionar o sexo oposto.
Sobre
o piano de cauda de minha mãe, dezenas de porta-retratos com fotos
minhas, de meus pais, de meu irmão com sua mulher, de minha mãe ou de
meu pai sozinhos, de todos de uma vez só; nenhuma de minha irmã.
Mistério que martelava meu jovem espírito e que produzia flashes de imagens mentais confusas, na tentativa de uma resposta.
Hoje,
que o véu do segredo não mais obstrui minha visão, é difícil não pensar
que era tudo óbvio demais. Contava eu dezessete anos e voltava de uma
carraspana, sozinho, para casa; meus pais estavam em viagem. Não sabia
como nem onde, mas eu perdera as chaves da porta. Forcei todas as
janelas; só a da sala de leitura de meu pai abriu. Pulei para dentro e,
podendo ir para meu quarto, não o fiz. Um quadro preso à parede, com uma
foto de todos nós, sem minha irmã, chamou-me a atenção e, tomado por
uma curiosidade esquisita, resolvi mexer nas gavetas de um dos armários.
E foi nele que encontrei um velho álbum de família. Sem saber o que
procurava ao certo ali, acabei descobrindo por acaso a resposta para
aquele antigo mistério.
Olhei
quase uma centena de fotografias. Quanto mais eu via as fotos, mais
percebia que algo não estava fazendo sentido. Eram fotos de nossa
família, correto. Eu olhava, olhava, e não compreendia o que poderia
ser. Até que, virando uma página, uma foto surgiu diante de meus olhos e
lançou um clarão tão intenso em minha mente que eu caí sentado num
sofá. Nela estavam meu pai e minha mãe, os dois de pé, atrás de meus
dois irmãos, sentados cada um em uma cadeira. No colo de um deles, eu,
ainda bebê. Imediatamente reconheci aquela moça que eu sempre vira no
portão, chorando com mamãe, nas noites de Natal. Sim, era minha irmã;
tive plena certeza disso. Mas, ali, naquela foto, naquele momento
registrado para sempre pela lente da câmera, não era ainda aquela bela
mulher, que sempre me intrigara desde criança; não, era um menino
sorridente, de feições delicadas, de mais ou menos uns quinze anos, quem
me amparava gentilmente nos braços.