Nando Cunha fala para o Letras (Em 28/09/11)

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No mês de novembro, no Brasil, o dia 20 é o Dia da Consciência Negra. Essa data não foi escolhida aleatoriamente, mas em função de ser o dia da morte de Zumbi dos Palmares, no ano de 1695. As celebrações e os eventos que propõem uma reflexão sobre a condição dos afrodescendentes não se limitam apenas a esse dia, estendendo-se ao longo da semana em que o dia 20 se insere.

Antecipando as ações que contribuirão para o debate deste grave problema social, o preconceito racial, o LetrasEEARtes teve o prazer de entrevistar uma das mais recentes revelações de nossa dramaturgia: o ator da Rede Globo Nando Cunha, o Soldado Brasil, da novela Desejo Proibido, e o carismático Pimpinela, de Araguaia. Com dezessete anos de carreira contabilizados, esse carioca de quarenta e cinco anos (“Muito bem vividos!”, disse ele) falou de sua formação como ator e de seu prazer de atuar.

Confira!


Qual a sua formação profissional?

Fiz Letras na UFF, Universidade Federal Fluminense, português/espanhol, mas não terminei, e hoje faço licenciatura em teatro, na UNI RIO, Universidade Federal do Rio de Janeiro.


Quando exatamente o senhor percebeu que era vocacionado para as artes cênicas?

Desde pequeno, os parentes e amigos me apontavam para esse caminho, eu é que não acreditava. Mas aí uma amiga pela qual eu era apaixonado falava tanto e com tanto prazer dessa arte, que eu resolvi estudar a fundo teatro e trabalhar com isso.

O que inspirou sua decisão de abraçar essa carreira muitas vezes tão difícil para alguns?

O amor à profissão e a certeza de que o que realmente sabia fazer direito era isso.

Quais foram seus primeiros trabalhos?

Minha primeira peça chamava-se Doidas Folias, que me levou para a França. Depois daí não parei mais, e isso já faz dezessete anos.


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Soldado Brasil

Poderia citar três atores e/ou atrizes cujas atuações tiram ou tiraram seus pés do chão?

Lima Duarte, Tony Ramos e Daniel Day Lewis; atrizes: Laura Cardoso, Georgiana Froes e Thays Garayp.

Para o senhor o que significa representar?

Representar para mim significa experimentar outros sentidos, outros mundos, outras vidas. Significa sair do seu cotidiano, entrar no do outro, ser outro e não ser ninguém. Essa possibilidade de ser todos e, ao mesmo tempo, nenhum é o que torna minha profissão instigante e prazerosa.

Teatro, televisão ou cinema?

Os três, pois cada um tem a sua linguagem e sua importância para nossa arte. Algumas nos dão mais possibilidades de trabalhos do que outras, mas trabalhar nos três dá o mesmo prazer.


Que livro mudou sua vida e o que o senhor anda lendo agora?

Fernão Capelo Gaivota, e agora estou lendo a biografia de Laura Cardoso.

Existe preconceito racial no Brasil?

Muito. O racismo daqui é velado, você não conhece o inimigo porque ele vem pelas costas.

De que formas esse tipo de preconceito tende a se manifestar dentro da esfera artística?

Quando você vai ao produtor de elenco e ele diz a você que não tem nada no seu perfil. Nesse caso não sabemos se isso é uma desculpa para dizer que não tem nada para negros.

Qual tem sido a contribuição dos negros para a dramaturgia no Brasil?

Eles têm uma importância muito grande, pois foram referências para outros atores negros sonharem um dia com uma possibilidade como a que estou vivendo. É o caso de pessoas como Grande Otelo, Milton Gonçalves, Ruth de Souza, Chica Xavier, entre outros.

O documentário A negação do Brasil, de Joel Zito Araújo, produzido no ano de 2001, salienta que aos atores e atrizes negros, na televisão e no cinema, sempre são relegados papéis inferiores dentro da escala econômica e social. O que mudou nesses últimos quarenta anos?

Mudou muita coisa. Está devagar, mas está mudando. Hoje o negro nas novelas já é uma realidade como protagonista, assim como foi Lázaro Ramos e Thaís Araujo, e mesmo assim sofreram críticas por esse status.


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Palhaço Pimpinela

Gilberto Braga e Ricardo Linhares, na novela Insensato Coração, proporcionaram papéis que deram destaque para os atores negros e que fugiram do estereótipo da doméstica, do escravo e do bandido. O senhor crê que isso possa resultar numa mudança de paradigma na teledramaturgia brasileira ou seria apenas um caso isolado?

Com certeza, a partir do momento em que os autores e diretores nos virem como pessoas comuns e não olharem somente para a cor de nossa pele, isso vai mudar e muito, pois somos atores, independente de nossa raça.

Nessa novela, inclusive, Lázaro Ramos viveu o papel de um homem irresistível. Isso foi alvo de muitas piadas e críticas que cobravam verossimilhança. O programa Pânico na TV criou até um personagem chamado Lázaro Ramos da Vida Real, negro e obeso, que só levava fora das mulheres. A sociedade brasileira ainda não está preparada para ver negros em papéis de galã como o interpretado por Lázaro?

Pois é, é assim que a sociedade nos vê.

Os Estados Unidos mantêm uma lei, baseada nas ações afirmativas, de reservar quotas para atores e atrizes negros no cinema e na televisão. Além disso, existe um mercado muito forte dentro da indústria do entretenimento que é produzido por negros para um público a priori também negro, mas que alcança todas as faixas, como a gravadora Motown, revistas especializadas e programas como Eu, a patroa e as crianças, Um maluco em Beverly Hills e Todo mundo odeia o Cris. No Brasil há algo semelhante? Se não há, deveria haver?

Os negros nos Estados Unidos lutaram pelos direitos civis. Eles dizem: “Vocês têm todo o direito de não gostar de mim, mas têm que me respeitar”. Aqui deveria também ter uma luta a favor de nossos direitos, e deveríamos, sim, ter programas de TV como o deles para podermos ter referências, pois o que passa na TV não condiz com a nossa realidade.


O senhor também é humorista. Em seu espetáculo hilariante A verdadeira história de Michael Jackson, havia um tipo de humor que se pautava pelo que hoje se acostumou chamar de politicamente incorreto. Qual a sua opinião sobre as piadas que brincam com as chamadas minorias (homossexuais, loiras, mulheres de baixa aptidão intelectual, pessoas com necessidades especiais) e sobre as piadas étnicas?

Acho que no humor não deve haver censura de maneira alguma, mas sim o bom senso.

O presidente da maior potência mundial, um negro (Obama); o maior salário da televisão americana, uma negra (Oprah Winfrey). E, no último dia 12, pela primeira vez na história do Miss Universo, a mulher mais linda do mundo, uma negra: a angolana Leila Lopes. O mundo mudou?

Estamos chegando. Isso já é a mudança.


O senhor já protagonizou, no teatro e na minissérie da TV Globo Dalva e Herivelto, a vida de Grande Otelo. Que outra personalidade da história o senhor gostaria de representar e por quê?

Viver Grande Otelo foi maravilhoso, pela história e pela referência que foi para mim. Mas todos os personagens são atraentes, porque o novo atrai.

Quais são seus projetos artísticos no momento?

Tenho um projeto para a TV paga e no momento estou com uma peça em cartaz chamada Assassinato no motel: uma comédia policial.