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O valor da opinião
Estamos acostumados a ouvir que, numa dissertação, o que conta realmente é a sinceridade de quem escreve. Nesse sentido, o produtor do texto teria total liberdade para defender a opinião que bem entendesse, desde que sua argumentação apresentasse uma lógica e que sua linguagem fosse fluente, certo? Cuidado! Não é bem assim! Embora as opiniões sejam de fato as mais variadas possíveis e existam pessoas com valores bastante distintos, é aconselhável refletir antes de expressarmos uma opinião, pois, quando escrevemos (principalmente se se trata de uma redação escolar, que, portanto, será submetida a uma avaliação formal), naturalmente assumimos o papel de escritor, ao qual se associam expectativas, ainda que inconscientes, geradas a partir do nosso grau de escolaridade, classe social, idade, profissão, conhecimentos prévio e de mundo presumidos e outros.
Não se deve ignorar que um texto é muito mais do que uma aplicação de regras gramaticais e de aspectos estilístico-redacionais. Ao lermos um texto, podemos construir, pelas ideias expostas, um perfil de quem o escreveu, que inclui desde o conhecimento linguístico até a visão de mundo ancorada em valores morais e éticos. Tanto isso é verdade que muitas entrevistas de emprego se valem da redação como um dos meios de avaliar se o candidato é ou não indicado àquele determinado cargo. Especialistas na área, como psicólogos, muitas vezes são capazes de detectar traços da personalidade ou mesmo propensões comportamentais numa simples narrativa aparentemente descomprometida, por exemplo.
No caso da dissertação, às vezes isso é até mais evidente justamente por se tratar de um texto opinativo argumentativo. É verdade que, em geral, os temas, como temos visto até agora nas postagens anteriores, dão margem a mais de um posicionamento, o que exige uma elaboração mais minuciosa da argumentação. Mas às vezes essa possibilidade acaba se tornando uma cilada. Quer saber como isso acontece?
Imagine a seguinte situação:
Você está participando de um processo de seleção para assessor de um importante executivo de uma multinacional fornecedora de componentes eletrônicos para computadores. Então solicitam-lhe que desenvolva um texto dissertativo, portanto com opinião e argumentos claros, sobre o tema a seguir:
"Não vemos muitos atores e atrizes negros no cinema e na televisão. Então, isso significa que as pessoas dessa raça não têm muita propensão às artes dramáticas."
O que você pensa dessa afirmação? Posicione-se.
Do ponto de vista puramente gramatical, o enunciado entre aspas, que provavelmente expressa uma opinião a respeito da aptidão dos negros para a dramaturgia, possui uma estrutura a qual possibilita que, a partir dele, se expressem tanto declarações afirmativas, ou seja, que confirmam o ponto de vista segundo o qual os negros realmente não têm propensão às artes dramáticas, quanto negativas, isto é, aquelas que se colocam contrárias a esse posicionamento, não é mesmo?
Mas, se fizermos uma leitura mais profunda com base num pensamento crítico reflexivo — que é o que realmente se espera de alguém que se propõe a desenvolver uma dissertação —, constataremos, sem dificuldades, que se trata de uma visão altamente preconceituosa, uma vez que não tem qualquer fundamento lógico. E você pode estar se perguntando: por que não? Pelo simples fato de que nós vivemos numa sociedade que condena veementemente o preconceito de qualquer natureza, tanto que o preconceito racial é previsto em lei como crime inafiançável e imprescritível, ou seja, que não prescreve, que não é anulado com o tempo.
Defender esse tipo de pensamento é, no mínimo, segundo os valores históricos, políticos e sociais da nossa época, uma atitude criminosa, porque discriminatória e injusta.
Agora, vamos voltar um pouquinho à situação do candidato a assessor de um importante executivo de uma multinacional. Ciente dos valores relacionados a esse tipo de visão, você acha que, se um candidato, por melhor que seja seu currículo e por mais bem redigido que esteja o seu texto, concordar com o tema proposto, ele será admitido? "Ah, sei lá, isso é um problema dele. No que isso pode afetar o seu desempenho como profissional?", você pode estar pensando. Colocando-se na posição do importante executivo, ele teria motivos de sobra para se preocupar: que garantias ele teria de que esse candidato agiria com ética profissional com um funcionário negro dentro da empresa? Pior: ele trataria da mesma forma um cliente branco e um cliente negro? Caso se configurasse uma situação com essa discrepância, quais os prejuízos para a empresa em termos de imagem e consequentemente financeiros? Isso só para citar alguns exemplos de ordem prática, sem falar na questão dos Direitos Humanos, também amplamente defendidos nos dias de hoje.
Enfim, inúmeros outros argumentos poderiam ser levantados aqui para demonstrar que o mais sensato é, sem dúvida, defender um posicionamento contrário ao tema, ainda que, linguisticamente falando, seja possível defender um posicionamento favorável.
Interessante, não acha? Você quer saber no que isso diz respeito diretamente à sala de aula? Vamos lá: por que razão a escola (no nosso caso específico, militar), à qual se confia a formação intelectual, moral, social e, em alguns casos, profissional plena necessária a todo e qualquer cidadão, não deveria se preocupar igualmente com os valores de seus alunos? Acaso o ambiente escolar não está inserido na sociedade e, assim, não tem também uma função social a cumprir? Um professor que detectasse nas redações de seu aluno valores que, na mesma medida do analisado acima, revelassem um caráter preconceituoso, imoral, homicida ou mesmo patológico, deveria ignorar toda essa gama de informações e dar nota apenas pela habilidade linguística?
Desnecessário dizer que, por mais que questões como essa não sejam (infelizmente!) comentadas em sala de aula, elas pesam, sim, no momento da avaliação e, dependendo da gravidade, podem até acarretar atitudes mais sérias do que uma simples nota baixa. Liberdade de expressão pressupõe informação e, acima de tudo, bom senso. O valor de uma opinião está justamente na capacidade de saber fazer bom uso de ambos. Por isso, valorize a sua opinião!