Gabriel Chalita
Nascido em 30 de abril de 1969, em Cachoeira Paulista (SP), Gabriel Chalita revelou-se escritor já aos 12 anos, quando publicou seu primeiro livro. Hoje, tem uma obra composta por mais de 60 títulos. Doutor em Filosofia do Direito e em
Comunicação e Semiótica, deu início à carreira política aos 19 anos,
como vereador e presidente da Câmara Municipal de Cachoeira Paulista.
Exerceu os cargos de secretário da Juventude, Esporte e Lazer e de
secretário da Educação do Estado de São Paulo; neste último, instituiu
os Programas Escola da Família, Escola de Tempo Integral e Caminho das
Artes. Foi também presidente do Conselho Nacional de Secretários de
Educação (Consed), por dois mandatos, e vereador da cidade de São Paulo. Atualmente, é deputado federal pelo
PMDB–SP – eleito com mais de meio milhão de votos –, professor da
PUC–SP, da Universidade Presbiteriana Mackenzie e do Complexo
Educacional FMU, membro da Academia Brasileira de Educação e da Academia
Paulista de Letras e palestrante.
Ruth Guimarães, a fada da literatura
Por Gabriel Chalita (Jornal das Letras)
O Vale do Paraíba celebra
insuficientemente os seus representantes da literatura. Com algumas
exceções, como a inovadora disciplina de Literatura Valeparaibana,
criada pelo professor José Luiz Pasin, em Guaratinguetá, e como as
honestas iniciativas da Fundação Cultural Cassiano Ricardo de São José
dos Campos, os alunos do Vale do Paraíba pouco sabem dos seus
escritores.
O justo destaque dado a Monteiro
Lobato deixa a impressão injusta de que o taubateano foi o único
escritor do Vale do Paraíba. Merecem pouco espaço, até da imprensa
regional, o lorenense Péricles Eugênio da Silva Ramos, o joseense
Cassiano Ricardo e os cachoeirenses Valdomiro Silveira e Ruth Guimarães.
E é de Ruth que quero falar. A fada da literatura. Quem disse isto foi
Guimarães Rosa, em dedicatória que fez a ela, num exemplar de “Corpo de
Baile”, quando os dois eram mocinhos, ambos escritores iniciantes, e
repartiam uma noitada de autógrafos com Lygia Fagundes Telles e Amadeu
Amaral. A dedicatória é assim: “A Ruth Guimarães, minha irmã, parenta
minha, que escreve como uma fada escreveria.”
Por essa época,
Ruth era muito moça, muito pobre, muito magra, e muito míope, como ela
mesma se definia. Trabalhava em dois empregos para criar quatro irmãos
menores: datilógrafa à tarde, revisora da Editora Cultrix à noite. De
manhã cursava Letras Clássicas na USP. Hoje, aposentada de 35 anos de
aulas de português, grego e latim, não abandonou a máquina de escrever.
Produz crônicas semanais para o jornal ValeParaibano, traduz obras do
francês e do latim. Escreve duas horas por dia, como mandou o seu mestre
Mário de Andrade, com quem aprendeu folclore, e sob cuja orientação
escreveu “Filhos do Medo”, uma pesquisa sobre o diabo na mitologia
valeparaibana.
Ruth nasceu em junho, “junho das noites claras, de céu nítido”, na minha Cachoeira Paulista, no Santo Antonio de 1920.
“Eu quisera escrever em tons suaves, em meios tons que sugerissem preces.” É trecho de um de seus poemas, ainda inéditos.
Conhecia-a quando eu não passava dos 13 anos, e ia à sua chácara, plantada à beira do Rio Paraíba, buscar inspiração na sua sabedoria. Quantos textos não levei para ela avaliar e criticar. Era e é severa. Rabisca, em nome da velha amizade, textos meus, até hoje. E cada traço só faz melhorar o escrito.
Conhecia-a quando eu não passava dos 13 anos, e ia à sua chácara, plantada à beira do Rio Paraíba, buscar inspiração na sua sabedoria. Quantos textos não levei para ela avaliar e criticar. Era e é severa. Rabisca, em nome da velha amizade, textos meus, até hoje. E cada traço só faz melhorar o escrito.
Em um de seus livros (“Contos de cidadezinha”), escreveu: “Viu
as mãos ávidas de Teresa desfazerem o embrulho, viu o porta-jóias de
porcelana azul surgir à luz com alguma coisa de deliqüescente e
maculado. Nunca havia notado aquilo que somente as mãos trementes da
mulher acusavam. Ah! As mãos de Teresa.” Fala, nesse conto, das mãos de Teresa, mas são as suas que não deixam de produzir páginas e páginas de bela literatura.
Como esta, no romance “Água Funda”: “A
gente passa nesta vida, como canoa em água funda. Passa. A água bole um
pouco. E depois não fica mais nada. E quando alguém mexe com varejão no
lodo e turva a correnteza, isso também não tem importância. Água vem,
água vai, fica tudo no mesmo outra vez.”
Ou, como esta, no conto “Francisco de Angola”: “Depois,
os dois trabalharam por mais três. E cinco por mais três. E oito por
mais cinco, e todos por todos, até que toda a tribo foi alforriada.
Livres! Que língua, que pena, que pincel, poderá dar uma idéia de quanto
ressoa essa palavra no coração dos escravos?”
Mas também
escreve para crianças. Tem um lindo compêndio chamado “Lendas e Fábulas
do Brasil”, com uma linguagem gostosa e cristalina.
Ruth
Guimarães está lançando mais um livro, no final deste mês de setembro.
Mais um, que vai somar 52 publicados. Este “Calidoscópio” é um
monumental tratado sobre Pedro Malasartes, o pícaro, o malandro, o nosso
herói folclórico sem nenhum caráter. Um trabalho de fôlego que qualquer
faculdade de antropologia e de sociologia de primeira linha deveria
adotar.
Minha recomendação é esta: leiam Ruth Guimarães,
conheçam Ruth Guimarães, ouçam Ruth Guimarães. Ela já contou – e ainda
tem muito a contar – sobre o Vale do Paraíba, suas cidades e
tipicidades. Sua literatura é nítida, como as noites de junho em
Cachoeira Paulista. E ela é uma fada. Uma fada que nestas breves linhas
eu quero homenagear.