Profª Drª fez graduação em Letras nas Faculdades Integradas Teresa D' Ávila.
Possui mestrado e doutorado em Literatura pela Universidade
Presbiteriana Mackenzie. Foi professora efetiva da rede estadual de
ensino e lecionou em escolas particulares de ensino fundamental e
médio durante 12 anos. Além disso, trabalhou como professora nos
cursos de Letras, Pedagogia, Fonoaudiologia e Relações Públicas
nas Faculdades Integradas Teresa D' Ávila. Escreveu vários artigos
e organizou vários livros. Atualmente é professora efetiva da Força
Aérea Brasileira (FAB).
Há esbarrões que provocam grandes, indeléveis e produtivas inquietações. Quando cursava o terceiro ano de Letras, meu inesquecível professor de Literatura Latino-americana, Eduíno Orione, falou-me sobre um romance chamado Água Funda. Suas palavras ainda pululam em meus ouvidos: "Já leu Água Funda? É de uma autora aqui do Vale, de Cachoeira Paulista, que foi amiga de Guimarães Rosa." (ele, Eduíno, era/é apaixonado por esse escritor, talvez por isso, tenha esbarrado na autora do livro). "O livro é um primor", disse ele. "Olha, vale a pena ler." Encantou-me o título (os títulos sempre me encantam e a água sempre foi um sortilégio para mim). Corri para a biblioteca. A partir disso, inquietações provocadas por esse esbarrão fazem cócegas em meu cérebro. Fiz um projeto sobre ele para o Mestrado, mas não o aceitaram. Alegaram que a autora não era conhecida. Fiquei pasma. Como não conheciam Ruth Guimarães?! Até Guimarães Rosa a conhecia! Fora orientanda de Mário de Andrade! Era folclorista renomada. Seu nome fora citado na Encyclopédie Française de la Pléiade! Foi a única escritora latino-americana a receber tal homenagem! Mas eu precisava fazer o Mestrado, por isso mudei o projeto. Perdeu a universidade de ter um material quase que exclusivo sobre a autora, pois até hoje há poucos estudos sobre sua obra. Ganharam meus alunos do curso de Letras, pois eles foram o público-alvo das minhas inquietações sobre Água Funda.
Inquietação sobre Água Funda
Há esbarrões que provocam grandes, indeléveis e produtivas inquietações. Quando cursava o terceiro ano de Letras, meu inesquecível professor de Literatura Latino-americana, Eduíno Orione, falou-me sobre um romance chamado Água Funda. Suas palavras ainda pululam em meus ouvidos: "Já leu Água Funda? É de uma autora aqui do Vale, de Cachoeira Paulista, que foi amiga de Guimarães Rosa." (ele, Eduíno, era/é apaixonado por esse escritor, talvez por isso, tenha esbarrado na autora do livro). "O livro é um primor", disse ele. "Olha, vale a pena ler." Encantou-me o título (os títulos sempre me encantam e a água sempre foi um sortilégio para mim). Corri para a biblioteca. A partir disso, inquietações provocadas por esse esbarrão fazem cócegas em meu cérebro. Fiz um projeto sobre ele para o Mestrado, mas não o aceitaram. Alegaram que a autora não era conhecida. Fiquei pasma. Como não conheciam Ruth Guimarães?! Até Guimarães Rosa a conhecia! Fora orientanda de Mário de Andrade! Era folclorista renomada. Seu nome fora citado na Encyclopédie Française de la Pléiade! Foi a única escritora latino-americana a receber tal homenagem! Mas eu precisava fazer o Mestrado, por isso mudei o projeto. Perdeu a universidade de ter um material quase que exclusivo sobre a autora, pois até hoje há poucos estudos sobre sua obra. Ganharam meus alunos do curso de Letras, pois eles foram o público-alvo das minhas inquietações sobre Água Funda.
Afinal, quais seriam essas
inquietações? Muitas. Eis apenas uma.
Água Funda,
romance publicado em 1946, divide-se em dois eixos diegéticos. O
primeiro centra-se na história de Sinhá Carolina, dona da fazenda
Olhos D' Água, localizada aos pés da Serra da Mantiqueira. Mulher
austera, impregnada de beleza ímpar, casa-se, por amor, contra a
vontade dos pais, e vive infeliz até a morte de seu marido. Dessa
união, nasce Gertrudes, que se apaixona pelo filho do capataz da
fazenda. Como Sinhá Carolina era contra essa relação, a filha foge
e nunca mais retorna à casa materna. Viúva e sem Gertrudes, a
proprietária de Olhos D' Água entrega-se à solidão até quando
acolhe o filho do proprietário da fazenda Limoeiro. Sinhá resolve
dar uma segunda oportunidade a si mesma e une-se a esse rapaz. Ela
vende todos os bens que herdara do marido, inclusive Olhos D' Água,
que se transforma em uma usina de açúcar, e parte com seu novo
amor. Entretanto, mais uma vez, a infelicidade reinará sobre a vida
de Carolina, pois ela é abandonada pelo filho do proprietário da
fazenda do Limoeiro no mesmo dia em que parte com ele. O desespero e
a vergonha enlouquecem Carolina, que desaparece por muito tempo.
Quando retorna ao vilarejo onde ficava sua antiga fazenda, ela está
sem memória e passa a viver de esmolas. O povo do local passa a
chamá-la de Choquinha.
O segundo eixo narrativo centraliza-se na
história de Joca e Curiango. Esta é comparada a elementos da
natureza e aquele é descrito como alguém que se comporta de forma
estranha por sofrer de ataques. O narrador homodiegético1
alega que Joca desdenhou a Mãe de Ouro, entidade do folclore
brasileiro, e, como castigo, passou a sofrer desse mal, do qual, no
universo maravilhoso2
da instância narrativa, não há como escapar, já que essa criatura
mítica é inexorável. Joca enamora-se por Curiango e ambos se
casam, mas Joca enlouquece e torna-se um errante, pois, segundo ele,
é chamado pela Mãe de Ouro para cumprir seu destino trágico.
Depois desses eventos, tudo volta ao normal, pois
“A
gente passa nesta vida, como canoa em água funda. Passa. A água
bole um pouco. E depois não fica mais nada. E quando alguém mexe
com varejão no lodo e turva a correnteza, isso também não tem
importância. Água vem, água vai, fica tudo no mesmo outra vez".
(GUIMARÃES, 2003, p. 52)
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1 Esse
tipo de narrador ocorre quando o foco narrativo está em primeira
pessoa. Ele participa da instância narrativa, mas não é o
protagonista da trama. Segundo Reis (1980), esse tipo de narrador
veicula informações advindas da sua experiência diegética.
2 O
termo maravilhoso foi empregado com o significado que Chiampi (1980)
lhe atribuiu quando estudou o Realismo Maravilhoso. Segundo essa
autora, o discurso maravilhoso não problematiza a dicotomia entre o
real e o sobrenatural. Ele “desaloja qualquer efeito emotivo de
calafrio, medo ou terror sobre o evento insólito. No seu lugar,
coloca o estranhamento como efeito discursivo pertinente à
interpretação não-antitética dos componentes diegéticos. O
insólito, em ótica racional, deixa de ser o ‘outro lado’, o
desconhecido, para incorporar-se ao real: a maravilha é (está)
(n)a realidade. (CHIAMPI, 1980, p. 59).