M.C. Escher |
De
verso a prosa
Existe uma boa maneira de se exercitar a expressividade
narrativa em redações e, ainda de quebra, render-se uma
justa homenagem ao texto de algum escritor ou compositor de nossas
letras ou de nosso cancioneiro. Ela consiste em transformar um poema
ou letra de música em uma narração; ou seja,
desde que existam elementos narrativos no texto em versos, como
personagens, transcurso temporal, espaço, enredo, etc.,
realiza-se uma transposição para o texto em prosa.
Recentemente o cinema brasileiro "brincou" com
essa mesma proposta ao levar para as telonas a canção
Faroeste caboclo, de Renato
Russo, música que atingiu grande sucesso nas rádios,
catapultando as vendas do disco Que país é
esse?, e ajudou a banda Legião
Urbana a se consagrar como ícone do rock
brasileiro dos anos oitenta. O mesmo expediente foi utilizado para outra famosa
canção de Renato, Eduardo e Mônica,
que passou para a película. É bem verdade que, nesses
dois casos, o roteirista transformou as canções em
texto para encenação, o chamado gênero dramático.
Vamos dar um pequeno exemplo aqui com um poema de Manuel Bandeira.
Pardalzinho
O pardalzinho nasceu
Livre. Quebraram-lhe a asa.
Sacha lhe deu uma casa,
Água, comida e carinhos.
Foram cuidados em vão
A casa era uma prisão.
O pardalzinho morreu
O corpo Sacha enterrou
No jardim; a alma, essa voou
Para o céu dos passarinhos!
(Manuel Bandeira)
Compreendendo a sequência dos fatos expostos no
poema ao longo do transcurso temporal, identificando-se os
personagens e o espaço onde as ações se
desenrolam, percebendo-se o enredo, cria-se então um texto
narrativo que apresente esses mesmos elementos, sem qualquer tipo de
alteração destes ou das intenções do
poeta. Mas atenção: não se trata de plágio,
que é algo inaceitável em qualquer situação.
Em verdade é uma paráfrase, cuja fonte ou obra está
perfeitamente identificada. Tome cuidado ainda em perceber essa
proposta meramente como um exercício. Não seria
conveniente, em uma situação de exame para concursos ou
vestibulares, lançar mão do mesmo expediente, já
que nesses casos a paráfrase não está
autorizada, podendo resultar para o texto o grau zero. Vamos ver uma
das possibilidades para o exercício proposto.
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Questão
de lógica
Marcelo
Ferreira de Menezes
Eu estava na
varanda, acabando de limpar a gaiola de Waldick. Waldick Soriano;
esse era o nome daquele canário belga. Canarinho bom! Era tão
bonito o seu canto, que eu, por diversas vezes, o inscrevi em
concursos e voltei para casa com medalhas, muitas medalhas. Dei uma
tragada em meu cigarro e já ia colocar a gaiola de volta no
prego, quando Sacha, minha filha, veio correndo.
― Papai!
Papai! Olha!
― Mais uma
boneca quebrada, filha? ― perguntei sem me virar.
Quando me
voltei para ela, vi que a pequena carregava um pardalzinho ferido.
― Ah! Você
achou isso ― disse, avaliando as condições da
assustada ave. A asa está quebrada, filha.
― Você
conserta, papai? Conserta?
― Vamos ver,
né, filha? ― eu respondi, quase já prevendo o que
viria.
Durante uma
semana, Sacha se empenhou em cuidados maternais com o pardalzinho.
Dava-lhe comida, água, cobertores, contava-lhe histórias
para dormir, dava-lhe, por que não dizer, seu amor. O bichinho
parecia até que ia melhorando. Mas bicho que nasce livre...
Num domingo o
pardal morreu. Sacha chorou copiosamente.
― É
assim, filha. Agora está melhor para ele.
― Por quê,
papai?
E eu, sem
saber o que dizer:
― Ora...
ora, porque ele voou pro céu dos passarinhos! ― falei
com um entusiasmo meio bobo.
Sacha enxugou
as lágrimas e mirou o céu sem nuvens daquela manhã.
Seu rosto se desanuviou. Já parecia ter outra coisa em mente.
Depois de nós
dois, em nosso jardim, cuidarmos do pomposo funeral do pardalzinho,
com direito a solo de flauta doce, que Sacha exigiu que eu
arranhasse, fui lavar as mãos.
Quando saí
novamente à varanda, meu coração quase pulou
pela boca. Sacha havia subido em um banco, retirado a gaiola de
Waldick da parede e, naquele momento, segurava-a com a portinhola
aberta. Não deu tempo de nada. O canário alçou
voo, contrastando seu corpo amarelo com o anil limpo do céu.
― Sacha! O
Waldick, Sacha! Por que você fez isso?
― Pra ele
fazer companhia ao pardalzinho, papai! Lá no céu dos
passarinhos!
Eu, um pouco,
ou bastante, contrariado, só pude concordar com ela:
― Tá
bom, filhinha. Tudo bem.
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E você?
Conhece algum poema ou canção que conte uma história?
Que tal tentar fazer uma narração dela ou dele?
Deixamos aqui dois exemplos de dois compositores muito queridos no
Brasil: Erasmo Carlos e Gonzaguinha. Você se surpreenderá
em ouvir Erasmo, o Tremendão da Jovem Guarda, roqueiro das
antigas, como se diz, desenrolando, com muita desenvoltura, um
gostoso samba.
Clique
nos links e ouça
as músicas; elas trazem em seu conteúdo elementos da
narrativa.
Cachaça mecânica, Erasmo Carlos
http://www.youtube.com/watch?v=XUOgpSlMH7w
Dias de Santos e Silvas, Gonzaguinha
http://www.youtube.com/watch?v=XUOgpSlMH7w
Dias de Santos e Silvas, Gonzaguinha