Palavra de fã - Em 04/08/14

  
Palavra de fã
Marcelo Ferreira de Menezes
(Professor da EEAR e coordenador do Letras & e-Artes)

Quando nos propusemos a relatar no site do Letras & e-Artes um pouco da vida de Wilson Vianna e de rememorar seu inesquecível personagem, em nenhum momento tivemos como objetivo elevá-lo ao panteão dos mitos; não. Mesmo porque sua extraordinária trajetória de vida e artística já são bastante eloquentes e suficientemente recheadas de lances de verdadeira intensidade e iniciativas ousadas, dispensando-nos de qualquer trabalho na afixação de inúteis adornos, o que resultaria perigosamente em algo nada além de fantasioso, naquilo que essa palavra pode remeter apenas ao ridículo.
 
A tarefa confessadamente me emocionou em diversos momentos, já que também fiz parte dos milhões de crianças que acompanharam O Clube do Capitão Aza; fui seu fã. Particularmente, durante o processo de pesquisa e de redação, entre um vídeo e outro do antigo programa, ouvindo a música Sideral, que há anos não ouvia, mas que ecoou por todos esses anos em minha mente, ou na busca de ideias para desenvolver os parágrafos, experimentei momentos de boa nostalgia, que evocavam cenas de minha infância, do bairro onde vivi e das pessoas que conheci naquela época.

Emoção que se fez mais forte muitas vezes pelo fato de ter sido amigo de Eduardo Vianna, o Dudu, ou Azinha (como o chamávamos), filho de Wilson, no início dos anos 1980, pouco tempo depois do fim do programa, e a quem, de certa maneira, esta homenagem também se destina. Morávamos no mesmo prédio, numa rua do Flamengo, no Rio de Janeiro. E isso me deu a oportunidade de ver algumas vezes de perto aquele que havia sido meu ídolo. De modo estranho, desfalcado da indumentária do personagem, eu não o via mais como um ídolo, mas apenas como pai de um amigo meu, o que não diminuía meu assombro e meu acanhamento quando em sua presença. Infelizmente, Dudu faleceu em 2007, em decorrência de um acidente de moto, no Túnel Zuzu Angel, também no Rio.

Apesar de essa emoção ter estado presente o tempo todo e de, em um momento ou outro, ela ter podido migrar para o texto, temos consciência de que Wilson Vianna não poderia ter sido nada além do que realmente foi: um ator, um profissional, um homem, com limitações, com deslizes e acertos e, como qualquer outro, condicionado inevitavelmente aos temperos de sua idiossincrasia.

Indiscutivelmente, o Clube do Capitão Aza, como atração de mídia que era, foi meramente um produto comercial que deu certo, e somente se manteve no ar enquanto os interesses mercadológicos dos patrocinadores estavam sendo atendidos. Mas o marketing eletrônico ainda dava seus primeiros passos, não havia se convertido no dragão voraz de hoje, a única voz a ser ouvida nas decisões que norteiam as produções artísticas atuais da televisão ou de qualquer outro empreendimento artístico de massa. Isso, aliado a um momento em que nos restavam ainda como povo um pouco de inocência e consideração aos valores humanos, talvez possa ser apontado como um dos fatores para o programa hoje ser visto como um marco, cujo diferencial maior sem dúvida foi ter sabido retribuir a audiência com atos pautados em responsabilidade social; se o público trazia as cifras de um lado, de outro era gratificado com atenção e respeito incontestáveis.

E, se é verdade que Wilson Vianna não passava de um ator, sem grandes dons e qualidades expressivas, diga-se, que o ombreassem com os mais altos talentos de sua época, não é menos verdade que sua figura e seu profissionalismo foram decisivos para a imortalidade do Capitão Aza. Em muitos aspectos, sua história de vida se confunde com as sugestões que ajudaram a compor o personagem e lhe deram sustentação, indicando ter sido ele a pessoa certa para aquele papel, tornando indissociáveis o homem e a figura fictícia que representou por tanto tempo. Nada ilustra isso melhor do que um fato ocorrido anos após o fim do Clube do Capitão Aza. Ao interpretar na TV Manchete, na minissérie A Marquesa de Santos, um personagem, outra vez um capitão, de características, digamos, menos ortodoxas para os padrões da época e completamente opostas às do Capitão que lhe deu fama, Wilson levou uma "guardachuvada" no ombro, na fila de um banco, dada por uma senhora, indignada por ele ter "se prestado a fazer tal papel". Wilson respondeu com simpatia à situação, esclarecendo que era ator e que fizera somente o que o diretor mandara.

Alguns mais ácidos poderão até expressar a opinião de que ele não era nada mais que um clown, vestido com macacão aeronáutico e capacete, esquecendo-se confortavelmente de que são os palhaços os responsáveis por nos lembrar sempre de que o sucesso, seja em qual área for, é sempre árido, solitário e incompleto na falta de seu principal ingrediente: a alegria.

E, já que falamos de sucesso, não custa lembrar que, diferentemente de hoje em dia, em que o grau de notoriedade é medido pelo termômetro dos escândalos e pessoas ineptas, da noite para o dia, viram celebridades, com cândidos gestos de total imbecilidade, o fato de Wilson ter sabido construir sua carreira por seus esforços no trabalho, conforme pôde ser visto, e manter seu nome absolutamente íntegro, longe de qualquer atitude que pusesse em dúvida seu caráter e a imagem construída ao longo dos anos de exposição pública, é no mínimo louvável e digno de toda a admiração.

Hoje, cercados de artefatos de última geração por todos os lados, vivendo uma democracia a pleno vapor e gozando em média de uma condição econômica mais confortável, nitidamente respiramos, apesar de tudo, uma atmosfera mais densa, fria, embrutecida, sem espaços para sonhos que não venham de fontes sintéticas ou lisérgicas. A truculência ganhou status de lei, o chumbo nos alcança vindo de todas as direções e, de forma perdida ou não, fatal ou não, sempre vitima. Diferentemente daqueles anos historicamente cinzentos em que o programa foi ao ar, não é mais possível distinguir, num mar de rostos todos iguais, quem é herói e quem é vilão.

Na falta de exemplos a serem seguidos, as novas gerações desconhecem o sinal de paz e amor feito com os dois dedos da mão em v e, em seu lugar, criam novos e estranhos sinais que não raro expressam arrogância e autossuficiência socialmente perigosas e, por fim, autodestrutivas. Isso quando não exibem as palmas das mãos sujas de uma mistura perturbadora e explosiva de pólvora e sangue, o que tem sido, cada vez mais, frequente. A inocência, banida, e sem volta, pelo erotismo não somente precoce mas ditatorial nos indivíduos, não tem mais vez, e o tecnicismo para a vida adulta invade a mais trivial das brincadeiras, antes experimentada pelo simples fato de ser apenas isto: brincadeira. Em um mundo menos humano, das relações envenenadas pelo cinismo e pela competitividade astuta, em que os próprios pais se tornam algozes dos filhos, um Capitão Aza é tão somente uma impossibilidade e um eco longínquo partido de alguma dimensão temporal para sempre perdida, ou pelo menos assim querem que acreditemos.

Por isso, o Letras trouxe a bordo a história de Wilson Vianna, para nós e para seus inúmeros fãs o eterno Capitão Aza, a quem, com satisfação e sem qualquer temor de sorrisinhos sarcásticos, devemos alguns bons tijolos do alicerce de nosso caráter. A memória é fraca mesmo, nem há porquê em se atribuir essa falha somente a nós brasileiros. Assim, como educadores e coordenadores deste projeto, acreditamos que seja também nosso dever contribuir de alguma forma para que a notícia de bons exemplos não se esvaia assim tão facilmente. De alguma forma, sempre nos resta a esperança de dias melhores e de que, conforme o exemplo dado por qualquer história de super-herói, o bem enfim vença o mal, não é mesmo?

... Alô, alô, Sumaré! Alô, alô, Embratel! Alô, alô, Intelsat 3! Alô, alô, Capitão Aza, Comandante e chefe das Forças Armadas infantis deste Brasil! Onde quer que você se encontre, muito obrigado! E prossiga cantando sua canção de amor e a paz! Roger!