Palavra de fã
Marcelo Ferreira de
Menezes
(Professor da EEAR e coordenador do Letras & e-Artes)
(Professor da EEAR e coordenador do Letras & e-Artes)
Quando
nos propusemos a relatar no
site
do Letras & e-Artes
um pouco da vida de
Wilson Vianna e de rememorar seu inesquecível personagem, em
nenhum momento tivemos como objetivo elevá-lo ao panteão
dos mitos; não. Mesmo porque sua extraordinária
trajetória de vida e artística já são
bastante eloquentes e suficientemente recheadas de lances de
verdadeira
intensidade e
iniciativas ousadas, dispensando-nos de qualquer trabalho na afixação
de inúteis adornos, o que resultaria perigosamente em algo
nada além de fantasioso, naquilo que essa palavra pode remeter
apenas ao ridículo.
A tarefa confessadamente
me emocionou em diversos momentos, já que também
fiz parte dos milhões de crianças que acompanharam O
Clube do Capitão Aza; fui seu fã.
Particularmente, durante o processo de pesquisa e de redação,
entre um vídeo e outro do antigo programa, ouvindo a música
Sideral, que
há anos não ouvia, mas que ecoou por todos esses anos em
minha mente, ou na busca de ideias para desenvolver os
parágrafos, experimentei momentos de boa nostalgia, que
evocavam cenas de minha infância, do bairro onde vivi e das
pessoas que conheci naquela época.
Emoção que
se fez mais forte muitas vezes pelo fato de ter sido amigo de Eduardo
Vianna, o Dudu, ou Azinha (como o chamávamos), filho de
Wilson, no início dos anos 1980, pouco tempo depois do fim do programa, e a quem, de certa maneira, esta homenagem também se
destina. Morávamos no mesmo prédio, numa rua do
Flamengo, no Rio de Janeiro. E isso me deu a oportunidade de ver
algumas vezes de perto aquele que havia sido meu ídolo. De
modo estranho, desfalcado da indumentária do personagem, eu
não o via mais como um ídolo, mas apenas como pai de um
amigo meu, o que não diminuía meu assombro e meu
acanhamento quando em sua presença. Infelizmente, Dudu faleceu
em 2007, em decorrência de um acidente de moto, no Túnel
Zuzu Angel, também no Rio.
Apesar de essa emoção ter estado presente o tempo todo e de, em um
momento ou outro, ela ter podido migrar para o texto, temos
consciência de que Wilson Vianna não poderia ter sido
nada além do que realmente foi: um ator, um profissional, um
homem, com limitações, com deslizes
e acertos
e, como qualquer outro, condicionado inevitavelmente
aos temperos de sua idiossincrasia.
Indiscutivelmente, o
Clube do Capitão Aza,
como atração de mídia que era, foi meramente um
produto comercial que deu certo, e somente se manteve no ar enquanto
os interesses mercadológicos dos patrocinadores estavam sendo
atendidos. Mas o marketing eletrônico
ainda dava seus primeiros passos, não havia se convertido no
dragão voraz de hoje, a única voz a ser ouvida nas
decisões que norteiam as produções artísticas
atuais da televisão ou de qualquer outro empreendimento
artístico de massa. Isso, aliado a um momento em que nos
restavam ainda como povo um pouco de inocência e consideração
aos valores humanos, talvez possa ser apontado como um dos fatores
para o programa hoje ser visto como um marco, cujo diferencial maior
sem dúvida foi ter sabido retribuir a audiência com atos
pautados em responsabilidade social; se o público trazia as
cifras de um lado, de outro era gratificado com atenção
e respeito incontestáveis.
E, se é verdade
que Wilson Vianna não passava de um ator, sem grandes dons e
qualidades expressivas, diga-se, que o ombreassem com os mais altos
talentos de sua época, não é menos verdade que
sua figura e seu profissionalismo foram decisivos para a imortalidade
do Capitão Aza. Em muitos aspectos, sua história de
vida se confunde com as sugestões que ajudaram a compor o personagem e lhe deram sustentação, indicando ter
sido ele a pessoa certa para aquele papel, tornando indissociáveis
o homem e a figura fictícia que representou por tanto tempo. Nada ilustra
isso melhor do que um fato ocorrido anos após o fim do Clube
do Capitão Aza. Ao interpretar na TV Manchete, na
minissérie A Marquesa de Santos, um personagem, outra
vez um capitão, de características, digamos, menos
ortodoxas para os padrões da época e completamente
opostas às do Capitão que lhe deu fama, Wilson levou uma
"guardachuvada" no ombro, na fila de um banco, dada por uma
senhora, indignada por ele ter "se prestado a fazer tal papel".
Wilson respondeu com simpatia à situação,
esclarecendo que era ator e que fizera somente o que o diretor
mandara.
Alguns
mais ácidos poderão até expressar a opinião
de que ele não era nada mais que um clown,
vestido com macacão aeronáutico e capacete,
esquecendo-se confortavelmente de que são os palhaços
os responsáveis por nos lembrar sempre de que o sucesso, seja
em qual área for, é sempre árido, solitário
e incompleto na falta de seu principal ingrediente: a alegria.
E, já que falamos
de sucesso, não custa lembrar que, diferentemente de hoje em
dia, em que o grau de notoriedade é medido pelo termômetro
dos escândalos e pessoas ineptas, da noite para o dia, viram
celebridades, com cândidos gestos de total imbecilidade, o fato
de Wilson ter sabido construir sua carreira por seus esforços
no trabalho, conforme pôde ser visto, e manter seu nome
absolutamente íntegro, longe de qualquer atitude que pusesse
em dúvida seu caráter e a imagem construída ao
longo dos anos de exposição pública, é no
mínimo louvável e digno de toda a admiração.
Hoje,
cercados de artefatos de última geração por
todos os lados, vivendo uma democracia a pleno vapor e gozando em
média de uma condição econômica mais
confortável, nitidamente respiramos, apesar de tudo, uma
atmosfera mais densa, fria, embrutecida, sem espaços para
sonhos que não venham de fontes sintéticas ou
lisérgicas. A truculência ganhou status de
lei, o chumbo nos alcança vindo de todas as direções
e, de forma perdida ou não, fatal ou não, sempre
vitima. Diferentemente daqueles anos historicamente cinzentos em que
o programa foi ao ar, não é mais
possível
distinguir, num mar de rostos todos iguais, quem é herói
e quem é vilão.
Na
falta de exemplos a serem seguidos, as novas gerações
desconhecem o sinal de paz e amor feito
com os dois dedos da mão em v e,
em seu lugar, criam novos e estranhos sinais que não raro
expressam arrogância e autossuficiência socialmente
perigosas e, por fim, autodestrutivas. Isso quando não exibem
as palmas das mãos sujas de uma mistura perturbadora e
explosiva de pólvora e sangue, o que tem sido,
cada vez mais, frequente.
A inocência, banida, e sem volta, pelo erotismo não
somente precoce mas ditatorial nos indivíduos, não tem
mais vez, e o tecnicismo para a vida adulta invade
a mais trivial das brincadeiras, antes experimentada pelo simples
fato de ser apenas isto: brincadeira. Em um mundo menos humano, das
relações envenenadas pelo cinismo e pela
competitividade astuta, em que os próprios pais se tornam
algozes dos filhos, um Capitão Aza é tão somente
uma impossibilidade e um eco longínquo partido de alguma
dimensão temporal para sempre perdida, ou pelo menos assim
querem que acreditemos.
Por isso, o Letras trouxe
a bordo a história de Wilson Vianna, para nós e para
seus inúmeros fãs o eterno Capitão Aza, a quem,
com satisfação e sem qualquer temor de sorrisinhos
sarcásticos, devemos alguns bons tijolos do alicerce de nosso
caráter. A memória é fraca mesmo, nem há
porquê em se atribuir essa falha somente a nós
brasileiros. Assim, como educadores e coordenadores deste projeto,
acreditamos que seja também nosso dever contribuir de alguma
forma para que a notícia de bons exemplos não se esvaia
assim tão facilmente. De alguma forma, sempre nos resta a
esperança de dias melhores e de que, conforme o exemplo dado
por qualquer história de super-herói, o bem enfim vença
o mal, não é mesmo?
... Alô, alô,
Sumaré! Alô, alô, Embratel! Alô, alô,
Intelsat 3! Alô, alô, Capitão Aza, Comandante e
chefe das Forças Armadas infantis deste Brasil! Onde quer que
você se encontre, muito obrigado! E prossiga cantando sua
canção de amor e a paz! Roger!