Corações roubados (Em 20/10/2014)

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Corações roubados
Marcelo Ferreira de Menezes

Eram cinco horas da tarde. A chuva fina formava um espelho no pavimento daquele pátio escolar não de todo deserto. Ele estava ansioso pelo encontro; esperara por tanto tempo...
De repente, surgiu uma silhueta saindo por detrás das árvores. Aos poucos foi tomando forma e revelou uma linda moça, de uns vinte anos. Ela se aproximou bem devagar.
Pensei que você havia me esquecido ― ela se insinuou para perto do menino.
E... eu? Que isso? ― ele respondeu um tanto quanto nervoso.
Ambos não podiam ver, de onde se encontravam, mas estavam sendo observados. E havia ódio naquele olhar, um desejo insuportável de desfazer todo o fascínio daquele momento.
Você sabe o quanto é especial para mim, não sabe? ― a moça perguntou.
É?! ― ele devolveu acanhado. Eu também acho você muito... bonita.
O menino suava frio e parecia não saber o que fazer com as mãos, sempre inquietas, ora dentro dos bolsos da calça, ora alisando os cabelos, ora enxugando o suor que lhe escorria pela testa.
Sabe ― ele pensou ser justo revelar ―, eu nunca tive uma namorada. Eu sou...
Tímido? ― ela completou. ― Eu não me importo. Até mesmo por causa disso é que eu acho você uma gracinha. Esse jeitinho... roubou meu coração.
E ele, que mal se recuperara do rubor de ter sido chamado de gracinha, ficou quase roxo, incendiando de calor com a última frase.
Que tal se nós saíssemos daqui? Fôssemos para um outro lugar? ― propôs a jovem.
Hoje é domingo... e minha mãe... ― ele começou constrangido ― está me esperando para irmos à ... missa ― e enterrou os olhos no chão.
Ah! Vai ser rápido! Venha, vamos... ― a moça o arrastou pela mão.
Para onde? ― ele quis saber com os olhos arregalados.
Minha casa não fica muito longe daqui; é bem pertinho. Quero lhe mostrar algo.
Quem, com ódio no olhar, observava o casal quis partir num impulso incontido de raiva na direção deles, mas foi tal gesto interrompido por duas mãos firmes em seus ombros.
Ainda não ― ordenou. Vamos esperar um pouco.
        Enquanto a moça e o menino deixavam o pátio pelo mesmo lugar por onde haviam entrado, um buraco no muro dos fundos da escola, um homem se aproximou para recebê-los na calçada. A moça sorriu para ele. O menino, surpreso, quis saber:
Quem é ele?
Um amigo meu ― respondeu a moça sorrindo. Você vai gostar dele.
Nesse exato instante um carro preto em alta velocidade gritou seus pneus no asfalto, em frente aos três, numa freada brusca, despejando quatro homens já de armas em punho.
Parados aí! A casa caiu! ― ouviu-se a ordem.
Duas mulheres fardadas se aproximaram e resgataram o assustado menino, enquanto os homens armados algemaram a moça e o homem recém-chegado.
O menino foi entregue à pessoa que, havia poucos instantes, observara toda a cena do pátio com ódio. Os olhos agora eram de ternura misturada a um pavor que ainda muito recente para ter sido dissipado.
Meu filho! Que perigo, meu filho! ― e, virando-se para a moça, agora algemada ― Cachorra! Assassina! Assassina! ― gritava uma mãe tomada por emoção e fúria.
― Vamos ver se essa aí é tão sedutora assim mas é com a Justiça! ― disse o delegado, dono do par de mãos que contivera há poucos instantes a angustiada mãe,  aproximando-se dos criminosos.  
No dia seguinte, todos os jornais estampavam a macabra notícia: "Presa quadrilha internacional de tráfico de órgãos. As vítimas eram sempre adolescentes".