Tarcísio José Martins (1949) é um advogado, poeta, romancista e historiador brasileiro, nascido em Moema-MG. Realiza trabalho de pesquisa às fontes primárias, desvendando fatos obscuros que rodeiam a história dos anos setecentos de Minas Gerais, São Paulo e Goiás, destacando-se a histórica Confederação Quilombola que ficou conhecida como Quilombo do Campo Grande. Entre outras obras de expressão, é autor da trilogia Quilombo do Campo Grande - A História de Minas Roubada do Povo, Quilombo do Campo Grande - A História de Minas que se Devolve ao Povo e Quilombo do Campo Grande - Ladrões da História. É Sócio Efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, empossado em 17.09.2011, cadeira nº 92, tendo como patrono o engenheiro negro Teodoro Sampaio.
Ter consciência negra não significa, necessariamente, que todos os pardos devam se considerar negros. Não. Significa, isto sim, todos os miscigenados devem ter consciência de sua ancestralidade negra e do modo mais preciso que quiser ou puder.
A África é muito abrangente. Ainda hoje há muitas Áfricas; há muitos africanos.
Ao Norte, às margens do Mediterrâneo, predomina a raça branca ou árabe. Ao centro do continente, caminhando para o Sul, são negros que predominam em sua quase totalidade. Bem no Sul, já nas divisas da Rodésia, destacam-se os negróides ou bantus.
“Essas diversas raças se apresentam cruzadas e mescladas, com inúmeras variedades. É marcante heterogeneidade. Vários povos ou raças, em diferentes estágios de cultura ou graus de civilização, compõem a fisionomia étnico-cultural do continente. Os principais grupos étnicos são: os bosquímanos, hotentontes, negros sudaneses, camíticos, bantos, negros nilóticos, semíticos e malaios polinésios. Eles povoam, os islamizados, o norte do Saara; os bantos e demais negros, o sul do Saara. Predominam, é certo, os produtos híbridos; porém formam duas Áfricas: a África Árabe e a África Negra”. Castro Carvalho em África Contemporânea, São Paulo, 1962, pg. 19.
Os chamados afro-brasileiros têm etnias africanas bem definidas e específicas: em sua quase totalidade, ou são sudaneses ou são bantos.
Mesmo ai, mano, o bicho pega. Confundir um sudanês com um banto é como confundir um português com um alemão; ou, um inglês com um italiano. É gente completamente diferente; estrangeira entre si.
Os sudaneses, também chamados (pelos portugueses) de “Minas”, compreendem, entre outras, as seguintes etnias: Mandingas, Baubaras, Soniqués, Dioulas, Fous, Baribas, Peuls, Iorubás, Sombas, Agni-Ashanti, Kouakoua, Kfoumen, Inandes (Malinké e Dioula), Sênoufo, Awê, Kabré, Haussa, Kotokoli, Basani, Miba, Ibos etc., originários dos atuais Gana, Benin, Mali, Costa do Marfim, Togo, Nigéria, etc. Cultuam mais de 400 divindades, entre as quais, os nosso Orixás; seu Deus ou Alá, chama-se Olodumaré. Falam mais de 200 línguas, entre as quais, os dialetos Yorubás. Quanto a religiões estrangeiras, aderiram majoritariamente ao Islamismo.
Os bantos, também chamados de bantus (nome original africano), compreendem, entre outras, as seguintes etnias: Cabindas, Bengalas, Cuangos, Cuamatas, Cuajamas, Cueneme, Banquistas, Rongas, Chopes, Tongas, Senfas, Macuas, Angônias, Ajuas, etc., originários dos atuais Angola, Congo, Moçambique, parte das Guinês e parte de Camarões. Cultuam menos divindades, sendo, alguns povos, monoteístas. Seu Deus ou Jeová, chama-se N’Zambi ou Azambi. Falam mais de 100 línguas, predominando o umbundu, o quimbundo e o quicongo. Quanto a religiões estrangeiras, aderiram majoritariamente ao Cristianismo.
Ensinaram-nos que os sudaneses eram mais adiantados, mais civilizados e mais inteligentes que os bantus. No entanto, os nossos dicionários apontam um número enorme de palavras de dialetos bantu que se incorporaram ao Português. Palavras sudanesas, quase que só existem os nomes dos orixás. E olhe lá; pouquíssimas mesmo.
Ensinaram-nos que os sudaneses eram mais bravos, menos submissos e mais guerreiros que os bantus. A história nos mostra, no entanto, que em Palmares, falava-se apenas umbundu e quimbundo (línguas bantu) misturadas com a Língua Geral; as próprias palavras Zumbi e Ganga-Zumba, nomes dos líderes maiores de Palmares, são palavras bantu e NÃO sudanesas. Mais de 99% dos quilombos mineiros dos anos setecentos tiveram nomes e quilombolas bantus.
TODOS os povos e comunidades remanescentes de quilombos até hoje encontrados ou “descobertos” em nosso País, a exemplo dos Kalungas de Goiás, TODOS, falam dialetos bantus. NENHUM deles fala dialetos sudaneses.
Na verdade, sendo, as possessões portuguesas na África localizadas em regiões de povos bantus (Angola, Moçambique, etc.), sendo o tráfico um “excelente negócio”, evidente que a maioria de nossos ancestrais escravos seriam bantus e não sudaneses.
Após a Independência (1822), evidente que Portugal não tivesse mais interesse de vender bantus para o Brasil. Preferiu utilizar esses escravos em África mesmo (Angola, Moçambique).
Um embaixador baiano, chamado Francisco Félix de Souza, em Dahomé (hoje, Benin), envolveu-se na guerra e na política locais, tornando-se rei do Quidah. Restabeleceu e fomentou grosso comércio de negros sudaneses para o Brasil, através da Bahia, sua terra. Esse comércio, mesmo após a proibição do tráfico, continuou, então, como contrabando. Assim, após 1850, o grande fornecedor do braço escravo já não era a África, e sim a Bahia.
É por isto que a cultura da Salvador é diferente da cultura negra do restante de nosso País. O negro da capital baiana, no entanto, pode-se dizer que é tão recente em nossa cultura e em nossa etnia como o são os imigrantes italianos, alemães, etc., do sul de nosso País.
A cultura sudanesa, graças à exuberância, à beleza e aos pendores artísticos e comerciais dos negros baianos, está viva e forte. A sua música, seu ritmo, sua religião, sua culinária, sua estética e sua plástica maravilhosas vêm encantando a todos.
A cultura bantu, imensamente maior e mais profunda, no entanto, está sumida no meio de tudo isto. Pouca gente dela se dá conta; pouca gente dela se apercebe. No entanto, todos que vão a Angola ou a Moçambique, se encantam. Leia, por exemplo, o livro Kizombas, Andanças e Festanças, do Martinho da Vila.
E aí, malungo? (malungo é “mano” em umbundu, língua banto).
Afro-brasileiro, sim, mormente quando você quiser destacar a sua ascendência africana. No entanto, negro brasileiro ou brasileiro-negro, são mais definidores, não acha? Sendo você já uma pessoa bastante clara, mas descendente de negros – como a maioria dos mineiros antigos – o termo adequado seria mesmo um brasileiro trimiscigenado, pois a mistura com o índio é quase certa e nunca negada.
Seus ancestrais eram Bantus? Ou eram Sudaneses? Pergunta para seus pais, para seus avós... Os velhos sabem... alguma coisa, sabem... se não falam é porque os moços não perguntam.
Como vê, ter consciência negra não significa, necessariamente, que todos os pardos se considerem negros. Não. Significa, isto sim, ter consciência de sua ancestralidade negra e do modo mais preciso que puder e quiser. Isto é, a meu ver, a sublimação da Consciência Negra: é a Consciência da Negritude Brasileira.