Redação
para fins de avaliação
A
produção textual que se destina a avaliações em processos
seletivos se diferencia bastante daquela com propósitos meramente
recreativos. Deve-se ter em mente não se tratar mais de um contexto
de livre criação, em que a autonomia do redator é total e
irrestrita, mas de produzir uma resposta satisfatória a um estímulo
dirigido e elaborado por profissionais (a banca examinadora) que
anseiam por um determinado resultado, que buscam encontrar um perfil
humano específico para uma função profissional qualquer. O(A)
candidato(a) que se submete a um processo assim tem de estar
preparado(a) para administrar certas tensões que requerem não
somente informação e conhecimentos gramaticais básicos
consolidados, mas, sobretudo, controle emocional.
Em
geral, nos processos de seleção de pessoal promovidos pelas
empresas, do(a) candidato(a) é cobrada uma carta de intenções, na
qual ele(a) tem de fazer uma breve apresentação e expor os motivos
que o(a) levaram a estar naquele momento pleiteando o cargo
oferecido. Na maioria dos concursos públicos, a dissertação é o
tipo de texto mais recorrente. No entanto, algumas instituições
podem também trabalhar com temas descritivos e/ou até narrativos.
Portanto, quem quiser obter sucesso nesse momento tem de estar
preparado para qualquer situação.
Para
que não pairem dúvidas sobre a complexidade de um exame de redação,
estas são algumas das tarefas do(a) candidato(a) no exato momento de
sua prova:
-
Leitura atenta das instruções da banca, identificando
● as
orientações sobre formalística, se houver (paragrafação, tipo de
letra, centralização de título, translineação etc.),
● o
mínimo e o máximo estipulado de linhas,
● o
tipo de texto solicitado (descrição, narração, dissertação),
● o
tempo de duração da prova (Atenção: o candidato deve reservar um
tempo hábil para passar o rascunho a limpo, algo em torno de trinta
minutos);
-
Leitura atenta da proposta, identificando o foco temático e as
palavras-chave do texto guia.
-
Atenção constante para o emprego da norma culta, esquivando-se do
uso de gírias (legal,
super,
o máximo,
balada,
na moral,
sussa,
maneiro,
sacada),
expressões da oralidade (daí,
foi quando,
coisa,
né,
poxa)
e/ou jargões profissionais (engrenado,
bizural,
rela,
brifado,
última forma,
padrão,
peixe).
-
Atenção às normas gramaticais (ortografia, pontuação, regência,
acentuação, concordância, etc.);
-
Apresentação de letra legível e limpeza da folha de prova,
promovendo o correto alinhamento e a devida paragrafação;
-
Controle da respiração e da postura, evitando tensões musculares
desnecessárias;
-
Controle do nível de estresse;
-
Controle do tempo de redação do texto;
-
Seleção e organização hierarquizada das ideias;
-
Escrita, leitura do escrito, reescritura (se necessária), releitura,
etc.
Quando
alguém trabalha com método, as chances de obtenção de sucesso
aumentam consideravelmente, e o resultado invariavelmente exibe as
qualidades almejadas em um profissional, independentemente da área
de atuação, quais sejam: controle emocional, domínio sobre o
tempo, limpeza, organização, aplicação de metodologia eficaz,
clareza de expressão, equilíbrio psicológico, domínio das
habilidades motoras finas, senso de estética, nível de informação
etc. E qual é o propósito disso? Demonstrar que você é um
indivíduo preparado para o universo do trabalho. E isso se chama
MATURIDADE.
Faz
todo o sentido entender a redação de concurso como uma espécie de
carta de apresentação pessoal, uma forma sutil de autopropaganda.
Sob esse aspecto, é importante ter o cuidado de espalhar sinais
positivos a seu respeito ao longo da estrutura textual. Para o realce
de tais marcas colabora ainda a exibição clara de valores
indubitavelmente prestigiados pela sociedade:
-
o apreço pela família;
-
o respeito aos semelhantes e à vida em geral;
-
a repulsa a qualquer tipo de injustiça, mesmo no caso de animais;
-
o cuidado com o meio ambiente e com os espaços públicos;
-
a tolerância para com as diferenças;
-
o respeito à ordem social e às instituições que trabalham por sua
garantia;
-
a consideração pelo trabalho;
-
a admiração pelos ideais estéticos;
-
um rigoroso senso de justiça;
-
a compreensão do valor do conhecimento científico;
-
a relação harmônica, sem excessos, com a tecnologia, etc.
Obviamente,
em se tratando de uma apresentação pessoal, convém que você se
esforce em exibir o que de melhor contribuiu na formação de seu
caráter, não é mesmo? E esteja certo de que, desde que você
coloque atenção sobre isso, essas marcas aparecerão de maneira
natural. Mas, se você ainda tem dúvidas sobre como aplicar esses
conceitos, atente para as dicas que se seguem. Seja qual for o tipo
de texto que esteja sendo redigido
1)
Norteie sua exposição sempre por princípios científicos,
históricos, políticos, jurídicos e éticos; você ainda pode
lançar mão do senso comum também, pois ele em geral é pautado
pela razoabilidade ou por parâmetros éticos já socialmente
consolidados.
2)
Nunca justifique seu ponto de vista pela religião; em termos de
redação para concursos, argumentos alicerçados por doutrinas
religiosas não produzem efeito, pois sua base é a subjetividade.
Exemplo: “As cotas raciais deveriam ser abolidas, pois para Deus
todos os homens são iguais”, em caso de dissertação.
3)
Confira se suas ideias são consonantes com o pensamento de sua
época. Quem atualmente, em sã consciência, defenderia que a mulher
deve ser submissa ao homem? Que crianças não são inteligentes? Que
as doenças são um castigo divino? Que leões, focas, jacarés,
pássaros, golfinhos e outros animais foram feitos para a caça
esportiva? Ou que castigos físicos são um recurso pedagógico?
4)
Cheque se não há em seu texto alguma frase ou período que possa
soar de maneira ofensiva a algum grupo social, mesmo que não
intencionalmente. Exemplo: “Ninguém pode ser culpado pelo defeito
do homossexualismo” ou “Os deficientes físicos necessitam de
toda nossa piedade”.
5)
Seja crítico, mas não mordaz ou acidamente irônico. Exemplo:
“Oras, todos sabem o quanto os políticos brasileiros estão
preocupados com o povo e o quão honestos são”, em uma
dissertação. A criticidade deve estar presente, mas com elegância.
6)
Não permita que vazem em suas frases sinais de estados emocionais
alterados (raiva, destempero ou intensa emotividade), principalmente
em dissertações, já que o texto dissertativo é uma peça pautada
pela sobriedade. Exemplo de inadequação: “Chega
desse mar de lama na política! Lugar de político corrupto é na
cadeia! Esse bando de miseráveis!”, em uma dissertação. “Que
linda era aquela praia! Que céu! Que areia! Eu fiquei tão feliz de
ter estado lá!...”, em uma descrição; inserções desse tipo em
descrições tornam
o texto piegas.
7)
Fuja a todo custo de clichês, macetes e frases prontas; os três são
meros índices de limitação linguística e/ou informativa.
8)
Não se entregue aos exageros, nem conceituais, nem vocabulares. As
ideias devem ser claras, objetivas, e a linguagem, pautada pela
simplicidade, ou seja, sem pedantismos linguísticos e arcaísmos
desnecessários. Exemplo: “Deveras, a hodierna prole sói olvidar
do devido ósculo de partida em seus genitores”; tradução: Em
verdade, os filhos de hoje em dia costumam se esquecer de beijar seus
pais ao saírem”.
O
sucesso de um texto depende de muitos fatores. O equívoco mais
frequente é acreditar que tudo é apenas gramática. A correção
gramatical é sim muito importante, mas a proposta aqui é levar você
a enxergar que existem outros aspectos tão ou até mais
determinantes do que apenas isso. De nada adianta uma redação
apresentar linguagem impecável, mas ter fugido ao tema ou defender
ideias absurdas, por exemplo.
Tente
compreender que, nessa exposição de valores, é importante
verificar o que é ou não interessante de ser dito, aquilo que
colocará você numa posição favorável ou não com relação aos
demais. Se seu ponto de vista contradisser qualquer um dos princípios
anteriormente expostos, o que fazer então? Mentir? Obviamente que
não. A mentira nunca é uma solução. No entanto, uma mudança de
paradigma, mesmo que temporária, pode surtir um efeito mais
propício. Pondere se não seria um bom momento para mudar de opinião
a respeito de algo ou de algum problema que nos cerca. E, afinal,
você quer ou não a vaga? Vale a pena arriscar seu futuro
profissional por um ponto de vista? Não se trata de cinismo, e sim
de consciência.
Para
finalizarmos convém que você não faça, em qualquer um dos tipos
de texto, prescrições a seu leitor; não tente orientá-lo ou lhe
dar ordens. Jamais se dirija diretamente a ele com frases como
“Você,
amigo leitor, deve entender que (...)”, “Seja mais otimista no
seu dia a dia (...)”, “Adote desde já um estilo saudável de
vida (...)", etc. Compreenda que o seu leitor, na verdade, é o
membro de uma banca examinadora e que seu texto não está sendo
feito com qualquer outro propósito que não o de sofrer uma severa
avaliação que determinará, no final das contas, a sua
classificação.
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