No dia 14 de outubro de 2015, em função 2ª Produção Textual Orientada, a Turma Eco, da 1ª série, foi incumbida de desenvolver duas propostas de tema narrativo. No intuito de demonstrar aos alunos como tais temas poderiam se converter em narrativas de estrutura completa, foram desenvolvidas as duas histórias que se seguem. Por motivos meramente didáticos, optou-se por se conservar uma extensão mais livre de texto (sem limite de linhas), apenas para melhor visualização dos elementos constituintes da narrativa clássica.
TEMA 1
Crie
uma narrativa que tenha como personagens um lápis, uma borracha e
uma caneta.
Como
nascem os pássaros
Marcelo
Ferreira de Menezes
Sobre
uma mesa de madeira, num dos cômodos de um pequeno apartamento, três
companheiros de trabalho estavam reunidos e confabulavam. A conversa
se desenrolava de forma amigável, bem-humorada, mas exibia uma certa
ociosidade de palavras e alguma soberba também da parte desse trio.
Eram uma caneta, um lápis e uma borracha. Na verdade cada qual
contava vantagem sobre as próprias aptidões.
― Nenhum
dos dois, nem você, lápis, nem você, borracha, eu digo, nenhum dos
dois se iguala a mim! ―
vangloriava-se a caneta. Tudo
o que eu digo permanece, fica para sempre, não pode ser apagado,
como acontece com você,
lápis. Por isso eu me presto para assinaturas, por exemplo, que não
podem ser jamais alteradas!
O
lápis achou graça:
― Ah,
está muito bom! Ora, essa! Está muito bom mesmo! Você não me vai
nada mal,
hein?
Mas olha lá, que somente se pode assinar aquilo que já passou pelo
crivo dos rascunhos, e nesse ponto quem é melhor do que eu? Pois
se está no meu grafite o
poder do escrito ser
apagado, para depois ser reescrito! E
o mesmo não
se dá com os desenhos?
Então
a borracha se manifestou:
― Opa!
Opa! Na minha cumbuca ninguém
põe colher! Que história é
essa? Desenho ou escrito,
está bem claro que o poder
de apagar vem de mim! Quem
é a borracha aqui?
E,
apesar da discussão acirrada, os três demonstravam alguma bonomia e
até uma
certa gaiatice em tudo.
Mas o tom mudou a partir de
uma observação da
caneta.
― Somos
mesmo os maiorais! Mas agora olhemos para aquela tonta! ―
e a caneta apontou com
malícia para uma folha de papel, deitada não muito distante, alva,
quieta e muda. ― Ela
é chata e não
tem competência alguma para exibir; aceita tudo que lhe cai na cara!
Só expressa o que os outros lhe imprimem no lombo! E,
quando alguém não gosta do resultado, lá vai
já virando
ela uma bola! Molenga! Seu
papel é apenas... ser papel!
E
todos explodiram juntos numa sonora gargalhada.
A
folha, que não falava de fato, a não ser que lhe escrevessem algo,
permanecia inalterada e, sem ter como dizer nada em sua defesa,
apenas conservava sua serenidade.
Nesse
instante entrou um menino pela porta, com olhar curioso sobre os
objetos daquela sala e
uma expressão um tanto
quanto travessa na face. Ele
observou, sobre a mesa, a
caneta, o lápis e a borracha, sem se deter em
nenhum deles. Daí seus olhos
pousaram
sobre a folha de papel. Aproximando-se mais do ponto onde ela se
encontrava, colheu-a e, usando como apoio o tampo da mesa,
imprimiu-lhe várias dobraduras. Ele dobrava e vincava, dobrava e
vincava, dobrava e vincava, de maneira que, ao final, seu formato,
até então plano,
converteu-se
em
algo de linhas arrojadas, jamais visto antes pelos três tagarelas,
que agora acompanhavam tudo silenciosamente incrédulos.
O
menino se dirigiu à janela, abriu as cortinas, ajeitou com os dedos
as arestas da nova forma que ganhara a folha de papel, deu-lhe um
beijo no bico e,
como se seu braço fosse uma possante catapulta, lançou-a do alto do
apartamento.
Para
assombro da caneta, do lápis e da borracha, a folha, que antes para
eles era só e tão somente papel, tinha virado um moderno, elegante
e ágil planador, que navegou
livre na luminosidade intensa
dos raios do sol, sumindo-se
no horizonte azul, um
pássaro de celulose brancamente ofuscante.
E tudo isso com
a bênção de um sorriso
absolutamente encantador e vitorioso dado pelo pequeno engenheiro que
há pouco o construíra com
totais
magia e delicadeza.
Tema
2
Quando
ele entrou em casa, não encontrou um só resquício de mobília.
Tudo havia simplesmente desaparecido. Na parede, apenas um bilhete
pregado com fita adesiva.
Conte
uma história na qual o trecho acima possa ser inserido de maneira
coerente.
O
rapa
Marcelo
Ferreira de Menezes
Ele
era distraído mesmo, do tipo quase incorrigível. Mudara-se para
aquele pequeno prédio de quatro andares havia poucas semanas. No dia
da mudança, só para citar um exemplo, esquecera-se de pedir aos
carregadores para subir o sofá, que ficou algumas horas na portaria,
até que ele finalmente se deu conta. Porque era sozinho e como o
zelador estivesse de folga, para subir o móvel esquecido contou com
a ajuda de um dos moradores dali, um rapaz de cabelos rastafári, um
de seus vizinhos de andar.
Seus
esquecimentos eram frequentes. Numa hora era um pacote de compras
sobre o capacho da entrada, noutra um de lixo, displicentemente
largado em frente ao antigo elevador, e noutra ainda eram os vidros
de seu carro que haviam ficado abertos. Mas, quando ele esqueceu a
chave na fechadura, do lado de fora da porta, a vizinha de frente,
uma senhora de aparência frágil e de cabelos inteiramente
grisalhos, tomou partido.
― Ô,
menino! Vem cá! ― ordenou
ela, gesticulando com o braço para que fosse aonde
ela se encontrava.
Ele
se voltou para a idosa, que, com voz trêmula, alertou:
― Você
tem deixado sua porta sem tranca e agora anda largando a chave do
lado de fora também é?
Nesse
mesmo instante, saiu do elevador o rapaz de cabelos rastafári, o
mesmo que o auxiliara com o sofá. A mulher imediatamente se calou e
olhou para o sujeito com uma cara feia, enquanto ele seguia para sua
respectiva porta. Tão logo ele entrou, ela deu continuidade à
reprimenda.
― Vá
se fiando que estamos num bairro tranquilo, vai! ―
e olhou novamente com uma
expressão nada boa para a direção seguida pelo cabeludo. ―
Uma hora lhe rapam tudo! Fica
o aviso! ― e
deu um tapinha no peito do rapaz.
E
ele, que, no dia da mudança, não percebera qualquer
gesto que depusesse contra o
rastafári, nesse dia, passou a olhá-lo com alguma desconfiança e
receio.
Mesmo
assim, os dias se passavam
e as distrações continuavam do mesmo jeito. E a velhinha, sempre
que o encontrava:
― Olha,
eu já te avisei!
Camarão que dorme a onda
leva, hein! Larga a porta
aberta de novo pra ver se o
rapa não passa aí!
Um
dia, ao voltar
do trabalho, ainda no
elevador, meteu a mão no bolso, e não encontrou as chaves. Nesse
instante, deduziu
que as esquecera novamente na fechadura.
Deixou a
cabine apressado
e se assustou ao ver a porta
de seu apartamento escancarada. Quando ele entrou em casa, não
encontrou um só resquício de mobília. Tudo havia simplesmente
desaparecido. Na parede,
apenas um bilhete pregado com fita adesiva. Nele,
com letra tremida mas legível, podia-se ler: “Eu não te avisei?”.
Levou
algum tempo ainda para que ele formasse uma imagem mental mais
precisa. Quando ela ficou pronta, entendeu que havia mesmo acontecido
o que a velhinha lhe dissera: o rasta passara a mão em tudo. Ao se
virar para ir ter com a vizinha que o prevenira, quase morreu do
coração.
― Surpreso?
― perguntou
o rastafári, já
no meio da sala.
Ele
pensou em pegar algo para se defender do
que supunha
ser o seu ladrão,
acreditando que, naquele instante, só lhe faltava também perder a
carteira ou pior: a própria vida. Mas
se defender com
o quê?
Com
um nó na garganta, ele só conseguiu dizer:
― Você...
pegou tudo.
― Sim,
já pegamos tudo, tudinho ―
falou
em tom de pilhéria
o rastafári.
― Então,
o que mais quer agora?
O
rasta riu e respondeu:
― Ué!
Lhe devolver tudo, oras!
Ele
ficou sem entender aquilo. Ladrão devolvendo o produto do roubo?
Mas, em seguida, o melenudo lhe explicou:
― Precisávamos
do flagrante. Por isso, deixamos que ela e seus comparsas pegassem
tudo e seguissem para o
depósito deles;
lá os capturamos. Permita-me
que me apresente: detetive Adriano
Almeida, da décima
quinta depê.
― Detetive?
Quem... Ela? Ela quem? ― o
rapaz gaguejava em sua confusão.
― Ela;
a sua vizinha daí da frente. Eu
a monitorava, aquela doce
velhinha. Na verdade, uma
ladra, líder de uma quadrilha que vem aplicando o mesmo golpe há
anos. Bastava
um mais desprevenido...
Fiava-se tanto na impunidade
que até bilhetinhos já estava deixando. Mas,
sem que fosse nossa intenção,
o senhor,
distraído como é, até
que acabou sendo
uma boa isca! Agora, que tal
irmos à delegacia lavrar
a ocorrência e recuperar
seus bens?